Christian Morel*
Em se tratando do acidente do voo AF 447, duas ideias circulam em abundância: o defeito das sondas Pitot e o fato de que a zona de convergência intertropical atravessada pelo avião não tinha nada de excepcional. No entanto, outras reflexões podem ser formuladas. Certamente os investigadores estão trabalhando nisso. Mas por que não se falaria nelas?Um especialista em meteorologia, Tim Vasquez, publicou em seu site um artigo citado pela Aviation Safety Network, da Flight Safety Foundation. A partir de informações de satélite muito precisas sobre a situação meteorológica e de dados sobre a trajetória da aeronave, ele deduziu que o avião, no momento de seu desaparecimento (no final das transmissões Acars), se encontrava em um amontoado de células de tempestade mais ou menos violentas (chamado em termos técnicos de MCS, Mesoscale Convective System), e mais especificamente em uma zona de correntes ascendentes.
Segundo ele, "o voo sem nenhuma dúvida penetrou em um sistema de tempestades... o A 330 deve ter voado através de turbulências e atividades de tempestade significativas durante cerca de 75 milhas (125 km), representando uma duração de voo de 12 minutos". Essa estimativa foi confirmada por um pesquisador de atmosfera da Universidade do Colorado. Essas condições atmosféricas até agora não podem explicar o desaparecimento do avião. Mas a publicação desse artigo na Internet suscitou uma discussão reservada aos profissionais da aviação e da meteorologia, que fornece elementos muito instrutivos.
Vejamos este depoimento de um piloto transatlântico: "(...) O fenômeno meteorológico que testemunhei se situa na zona geral do acidente da Air France, em maio de 2001, quando eu voltava de Buenos Aires e ia para a Espanha em um B743. Ao largo da costa do Rio, nós seguíamos a mesma trajetória que o Airbus da Air France, e ao passarmos pela zona do acidente atravessando a frente intertropical à altitude de F370 (37 mil pés), encontramos turbulências de moderadas a severas. Durante um a dois minutos de voo, passamos então por uma elevação repentina da temperatura externa. Ela passou de -48oC para -19oC. Por causa dessa diferença de temperatura, o avião começou a mergulhar, com oscilações muito fortes. Desliguei o piloto automático e descemos perdendo 4 mil pés... não estávamos longe do cemitério, e tenho certeza de que se não tivéssemos desligado o piloto automático e retomado o controle na descida, nós mesmos estaríamos no fundo do Atlântico. Desde então, voei de A340 por trajetos, e não encontrei essas mesmas condições - condições que eu nunca teria imaginado possíveis em 40 anos de pilotagem".
Esse caso evoca um fenômeno pouco conhecido, cuja probabilidade seria pequena, mas não nula: tipos de bolsas de ar especialmente quente a alta altitude nos sistemas de tempestade que perturbariam fortemente o comportamento e a pilotagem dos aviões. Na discussão, vários pilotos dizem ter encontrado mudanças surpreendentes de temperatura a alta altitude, com reações rápidas da aeronave.
Essas anomalias quentes excepcionais seriam, para os aviões, um pouco como os vagalhões são para os barcos: fenômenos raros, muito perigosos e pouco explicados (sua existência chega a ser contestada por alguns).
Além disso, qualquer que seja o tipo de turbulência, o acidente do Boeing 720 da Northwest Airlines, em 12 de fevereiro de 1963, merece ser mencionado aqui. Pouco depois de sua decolagem de Miami, a aeronave entrou em uma zona de fortes turbulências cujas correntes ascendentes a fizeram subir de forma anormal (9 mil pés por minuto). Segundo a comissão de inquérito, a desaceleração na subida (a velocidade caiu de 270 para 215 nós) e a posição inclinada para o alto da aeronave (22o) provavelmente levaram os pilotos, para evitar uma estolagem, a mergulhar a aeronave.
Em razão de um ligeiro atraso de reação durante a descida e comandos que responderam mal à aceleração, a velocidade aumentou e o avião se desmantelou. Esse acidente mostra que turbulências e a pilotagem muito delicada que deriva delas podem ter rapidamente um efeito destruidor sobre um avião. Entre o início da descida e a destruição da aeronave, passaram-se 20 segundos. Nem formação de gelo, nem relâmpago, nem problemas de sondas intervieram nesse acidente.
Uma pergunta a se fazer é por que o avião penetrou no sistema de tempestade, se é que foi o caso. Talvez as indicações de radar não tenham sido dissuasivas. Um colaborador na discussão sobre o artigo de Tim Vasquez destaca que o combustível consumido no desvio e o atraso potencial induzido podem ter tido um papel na decisão de não contornar um sistema meteorológico.
Segundo ele, muitas companhias aéreas não permitiriam a suas tripulações que desviassem por mais de 10 milhas náuticas para evitar uma tempestade (salvo por uma emergência declarada pelo comandante de bordo). Não sei quais são as instruções na Air France. O discurso oficial das companhias aéreas é que os pilotos são os únicos juízes das operações a serem efetuadas.
Entretanto, um estudo do Massachusetts Institute of Technology (MIT) de 1999 mostrou que as tripulações tinham tendência a penetrar em um tempo convectivo (chuva, tempestade, vento) com mais frequência na aproximação do que durante a viagem. A vontade de evitar um desvio de rota dispendioso é provavelmente um dos fatores que influenciam nesse comportamento. Segundo essa pesquisa, os aviões têm mais tendência a penetrar no mau tempo na aproximação quando eles têm no mínimo 15 minutos de atraso em seu horário. Essas considerações mostram que os fenômenos meteorológicos, apesar de todos os conhecimentos acumulados e meios tecnológicos implementados, apresentam elementos indeterminados que continuam sendo pontos de fragilidade para a navegação aérea. O acidente anterior da Air France, a saída da pista de um Airbus em Toronto em 2 de agosto de 2005, está ligado às condições meteorológicas.
A agência da segurança de transportes do Canadá concluiu que a aeronave havia aterrissado apesar de uma tempestade que induzia uma distância de aterrissagem que ultrapassava o comprimento da pista. O clima continua sendo um desafio para as companhias aéreas, inclusive para uma companhia como a Air France, reputada, com razão, por sua política exemplar de segurança de voos.
*Christian Morel é sociólogo, autor de "Les Décisions Absurdes" (Gallimard, 202).
Fonte: UOL
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