De
acordo com a Convenção Internacional de Aviação Civil, acidente aéreo é
o evento associado à operação de uma aeronave que ocorre entre embarque
de pessoas e desembarque do último passageiro, no qual há ferimentos
graves ou morte de uma ou mais pessoas. Outra definição aceita é que
acidentes envolvem falhas ou danos na estrutura do avião,
desaparecimento do mesmo ou que ele fique totalmente inacessível.
Mais
de 80% de todos os acidentes na aviação ocorreram imediatamente antes,
durante ou depois da decolagem ou da aterrissagem, sendo mais frequentes
as descrições de erros humanos em tais situações. Desde 1990, o
Superior Tribunal de Justiça julga processos envolvendo acidentes
aéreos. Nestes 23 anos, diversas decisões já foram tomadas pelos
ministros.
Acidente com avião da Gol
Em setembro de 2006, um Boeing da Gol se chocou com um jato
Legacy e caiu, em acidente que resultou na morte dos 154 passageiros e
tripulantes. As famílias das vítimas foram à Justiça em busca de
reparação financeira das perdas.
Em um dos casos, a 4ª Turma do STJ
confirmou
indenização por danos morais à irmã de uma das vítimas. Os ministros,
seguindo o entendimento do relator, ministro Luís Felipe Salomão,
mantiveram a condenação da Gol ao pagamento da indenização, reduzindo o
valor de R$ 190 mil para R$ 120 mil.
A decisão foi tomada durante a
análise de Agravo Regimental ajuizado pela empresa em que era apontada a
não observância dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade
no dever de indenizar. A Gol alegou que a irmã não deveria receber o
pagamento, uma vez que a vítima possuía parentes mais próximos, como os
pais, com quem já fora fechado acordo.
De acordo com Salmoão, a
jurisprudência do STJ permite que irmãos da vítima peçam indenização por
danos morais em caso de morte. Por entender que o valor era excessivo,
ele reduziu a condenação para R$ 120 mil.
A 3ª Turma também
entendeu
como possível o pleito de indenização por danos morais por parte de
irmãos das vítimas, independente de acordos com pais, viúvos ou filhos
do morto, desde que sejam apontados fatos que justifiquem tal direito. A
indenização, na visão dos ministros, não é sucessória, mas
obrigacional. Por isso, é legítimo que todos os atingidos pela perda de
uma pessoa ajuizem ação, e não apenas seus ascendentes, descendentes e
cônjuges.
Controladores de voo
A análise da absolvição de dois controladores de voo que trabalhavam no dia do acidente coube à 5ª Turma. Os ministros
mantiveram
a absolvição de ambos da acusação de negligência, seguindo decisão do
Tribunal Regional Federal da 1ª Região. Acompanhando a relatora,
ministra Lauriza Vaz, a turma entender que seria necessário o reexame
das provas no recurso apresentado pelo Ministério Público Federal, algo
que não cabe ao STJ.
As provas levaram a Justiça Federal de
primeira e segunda instância a concluir que os controladores receberam a
informação errada de que o Legacy mantinha seu nível de voo, quando, na
verdade, estava no nível do avião da Gol, que se deslocava em sentido
contrário.
Indenização por sequelas
A 4ª Turma entendeu que, quando as sequelas do acidente só
aparecem anos após o acidente, a vítima tem direito de pedir indenização
pelos danos sofridos. Por conta disso, a TAM teve de indenizar um
passageiro que apresentou sequelas degenerativas mais de quatro anos
após um acidente. Os ministros
rejeitaram o Recurso Especial da empresa, que apontava ter passado o prazo legal para o ajuizamento da ação.
Relator
do caso, o ministro Raul Araújo apontou que a data inicial da
prescrição é aquela em que a vítima tomou conhecimento das sequelas. No
caso em questão, o acidente ocorreu em fevereiro de 1990, as sequelas
foram conhecidas em 1994 e a ação foi ajuizada em junho de 1995.
A
TAM pedia que fosse adotado prazo prescricional de dois ou três anos,
como consta do Código Brasileiro de Aeronáutica. Mas, fosse utilizado
este ou o de cinco anos, como previsto pelo Código de Defesa do
Consumidor, o resultado seria igual. Segundo o ministro, há precedentes
no STJ de que seja aplicado o prazo do CDC quando outra norma
representar retrocesso a direitos assegurados aos consumidores.
O
passageiro sofreu grave lesão na medula por conta da aterrissagem da
aeronave, que pousou em cima de um carro, a 400 metros da pista do
aeroporto de Bauru (SP). Ele passou por cirurgia após o acidente e,
encerrado período de um ano de recuperação, foi classificado como curado
em fevereiro de 1991. A partir de setembro daquele ano, começou a
perceber as sequelas, confirmadas por exames e laudos médicos em 1994.
Além de não poder praticar esportes, a capacidade de trabalho dele ficou
parcialmente comprometida.
Indenização após a morte
Em outro caso julgado pela 4ª Turma, a família de um piloto de
helicóptero morto em trabalho teve o direito de pedir indenização 35
anos após o acidente. Os parentes conseguiram afastar prazo
prescricional de dois anos para a solicitação de indenização em caso de
acidente aéreo, como previsto no antigo Código Brasileiro do Ar.
Os ministros
aplicaram
a prescrição de 20 anos prevista no Código Civil e determinaram o
retorno do caso ao juízo de primeira instância para julgá-lo. O acidente
ocorreu em setembro de 1974, e a ação de indenização por danos morais e
materiais contra a Prospec S/A, empresa proprietária da aeronave, foi
ajuizada pela viúva e os filhos do em junho de 1994.
O Tribunal de
Justiça do Rio de Janeiro extinguiu a ação, por considerar que o
direito estava prescrito. De acordo com o TJ-RJ, tanto o antigo Código
Brasileiro de Ar, vigente à época do acidente, quanto o Código
Brasileiro de Aeronáutica, que o substituiu, estabelecem prazo
prescricional de dois anos para a solicitação da reparação de danos.
Fixação da prescrição
No Recurso Especial impetrado junto ao STJ, os familiares
defenderam a aplicação do prazo de 20 anos previsto no Código Civil,
apontando que houve culpa grave da empresa no acidente, o que afasta a
atenuante de responsabilidade para fixar a indenização.
Relator do
caso, o ministro Fernando Gonçalves entendeu que o prazo previsto pelos
dois códigos vale apenas para ações decorrentes de danos causados a
passageiros, bagagem ou carga transportada, sem mencionar danos ao
piloto. Para o relator, a interpretação extensiva não se aplica em caso
de prescrição, que implica na perda de direito de ação. Como não há
prazo específico que regule a situação do piloto, aplica-se o prazo
geral de 20 anos, previsto no artigo 177 do Código Civil de 1916,
vigente à época do acidente.
Prescrição em acidente aéreo
Para a 4ª Turma, o prazo prescricional para indenização por
danos decorrentes de acidentes aéreos é de cinco anos. Os ministros
entenderam que, por ser mais ajustada à ordem constitucional, deve valer
a regra do Código de Defesa do Consumidor.
A decisão foi
tomada
durante análise de caso contra a TAM. A autora residia em rua próxima
ao local da queda de um Fokker 100 da empresa, em 1996, em São Paulo.
Ela alegou que ficou psicologicamente abalada com o acidente, sendo que a
destruição da vizinhança e o fato de ter visto corpos carbonizados a
incapacitaram para tarefas domésticas.
A ação foi ajuizada apenas
em maio de 2003, quase sete anos após o evento. Na primeira instância,
foi aplicado o prazo de prescrição de dois anos previsto no Código
Brasileiro de Aeronáutica, apesar de o juiz ter consignado que também
pelo Código de Defesa do Consumidor estaria prescrita a ação. O Tribunal
de Justiça de São Paulo, porém, aplicou o prazo prescricional de 20
anos previsto no Código Civil de 1916. Ao analisar recurso contra a
decisão do TJ-SP, a 4ª Turma entendeu que o prazo de prescrição já havia
transcorrido quando a ação foi ajuizada.
Especialidade de lei
Relator do caso, o ministro Luis Felipe Salomão afirmou que,
como foi prejudicada pela execução de um serviço, a autora da ação pode
ser considerada consumidora por equiparação. Segundo ele, a expressão
“todas as vítimas do evento” que consta do artigo 17 do CDC justifica a
relação de consumo por equiparação, já que a autora foi afetada mesmo
sem ter adquirido o serviço diretamente. Pela jurisprudência do STJ, no
conflito entre o Código Civil e o Código de Defesa do Consumidor,
prevalece o segundo.
Para Salomão, com a possibilidade de
incidência do CDC, surge outro conflito aparente de normas, com o CBA. O
ministro afirmou que tal conflito não pode ser solucionado pelos meios
habituais de interpretação, como a aplicação da legislação mais
especializada. Isso se dá porque o CBA é especial em razão da modalidade
do serviço prestado, enquanto o CDC é especial por força dos sujeitos
protegidos.
Salomão aponta que a prevalência de uma das normas
deve advir de diretrizes constitucionais. Citando doutrina do ministro
Herman Benjamin, ele aponta que “em um modelo constitucional cujo valor
orientador é a dignidade da pessoa humana, prevalece o regime protetivo
do indivíduo em detrimento do regime protetivo do serviço”. A situação é
similar aos casos de extravio de bagagem ou atraso em voos, em que o
STJ tem afastado as leis esparsas e tratados internacionais em favor do
Código de Defesa do Consumidor.
Relação de consumo
A 3ª Turma também
pacificou
o entendimento de que o prazo de prescrição de ações relacionadas a
acidente aéreo é regido pelo Código de Defesa de Consumidor. Isso vale
se for demonstrada a relação de consumo entre o transportador e quem as
vítimas do acidente.
Segundo a relatora, ministra Nancy Andrighi,
os colegas de turma entenderam que o prazo prescricional da pretensão
que versa sobre danos causados por acidente aéreo a terceiros na
superfície “não pode ser resolvido pela simples aplicação das regras
tradicionais da anterioridade ou da hierarquia, que levam à exclusão de
uma norma pela outra; mas sim pela aplicação coordenada das leis, pela
interpretação integrativa, de forma a definir o verdadeiro alcance de
cada uma delas, à luz do concreto”.
A ministra afirma que, apesar
de estabelecido o prazo prescricional de dois anos para a pretensão de
ressarcimento dos danos, a regra não impede a incidência do CDC, desde
que seja evidenciada a relação de consumo entre as partes envolvidas.
Uso indevido de aeronave
Em julho de 2006, a 2ª Turma teve de decidir sobre a
responsabilidade em acidente aéreo provocado pelo uso indevido da
aeronave. Os ministros
entenderam
que a União não responde por danos resultantes de acidente aéreo que é
consequência de uso indevido de aeronave de sua propriedade.
Isso
vale quando o avião é cedido gratuitamente, para treinamento de pilotos,
a aeroclube privado. No caso em questão, o aeroclube assumiu
responsabilidade pelos riscos criados e danos originados pelo uso do
bem, conforme disposto no termo de cessão de uso a título gratuito de
aeronave.
O colegiado, seguindo entendimento do relator, ministro
João Otávio de Noronha, concluiu que a responsabilidade civil pelos
danos causados deve ser do explorador da aeronave, afastada a
solidariedade da União pelos danos decorrentes do acidente aéreo.
Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.
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