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segunda-feira, 27 de setembro de 2010

De volta ao ninho


Oficiais da reserva retornam à Academia da Força Aérea para ministrar instrução de voo


No interior de uma das salas do Primeiro Esquadrão de Instrução Aérea um instrutor e um cadete estão reunidos, acertando os últimos detalhes antes do início do primeiro voo do dia. O cadete, já no seu quarto e último ano do Curso de Formação de Oficiais Aviadores (CFOAV) da Academia da Força Aérea (AFA), ouve atentamente as palavras do instrutor enquanto este movimenta as mãos, didaticamente, simulando as manobras de duas aeronaves.

A cena, bastante corriqueira naquele local, poderia passar despercebida pela grande maioria dos que circulam por ali. Poderia, não fossem alguns detalhes: normalmente os instrutores de voo são jovens tenentes e capitães em início de carreira. Mas o tom grisalho do cabelo e as marcas do tempo impressas na pele daquele instrutor, em particular, indicam que se trata de alguém com mais experiência. Um olhar mais atento no macacão de voo e nota-se a patente. Trata-se de um coronel-aviador da reserva!

Surge a necessidade

A Academia da Força Aérea, carinhosamente conhecida como “Ninho das Águias”, localizada no município de Pirassununga (estado de São Paulo) é a principal porta de entrada para os futuros oficiais da Força Aérea Brasileira (FAB). Para os cadetes que optaram pelo CFOAV, a instrução aérea começa no segundo ano. Nesse período, a instrução primária e básica é feita em aeronaves do modelo Neiva T-25 ‘Universal’, pertencentes ao Segundo Esquadrão de Instrução Aérea (2º EIA). Posteriormente, já no quarto e último ano de academia, os cadetes recebem instrução avançada em aviões do tipo Embraer T-27 ‘Tucano’ do Primeiro Esquadrão de Instrução Aérea (1º EIA).

Vista da entrada do prédio do 1º EIA a partir do pátio de estacionamento dos T-27 Tucano (FOTO: AFA)

Nos últimos anos, a AFA percebeu a necessidade de contar com um número maior de instrutores de voo, tanto no curso básico como no avançado, devido a um incremento na demanda. Mas surgiu a seguinte questão: a transferência de um número maior de oficiais de outras unidades operacionais da FAB para a AFA desguarneceria alguns esquadrões de linha de frente. Ou seja, o cobertor estava curto! Foi então que surgiu a possibilidade de contar com oficiais aviadores da reserva para completar o quadro de instrutores de voo da AFA.

A presença de oficiais da reserva trabalhando no Comando da Aeronáutica não é, em si, uma novidade. A própria AFA possui oficiais da reserva em seus quadros, ocupando postos administrativos de chefia. Aproveitando a disponibilidade desses oficiais e a sua experiência na FAB, a força acaba cobrindo algumas lacunas onde há deficit de pessoal qualificado. Estes oficiais são contratados pelo programa TTC (Tarefa por Tempo Certo). A novidade agora está em trazer um número de oficiais da reserva para a área operacional. Algo inédito na história da FAB.

Viabilizando a ideia

É difícil apontar o verdadeiro mentor da ideia, pois muitos foram aqueles que sugeriram o aproveitamento de oficiais da reserva na instrução de voo. Porém, deve-se dar o devido destaque ao major-brigadeiro-do-ar Marco Antonio Carballo Perez (foto ao lado), como a pessoa responsável pela implementação do programa. O brigadeiro Perez, um oficial cuja carreira esteve intimamente ligada à aviação de caça (foi piloto de Mirage III, comandante do 1º GDA e comandante da Base Aérea de Anápolis), assumiu o comando da AFA em abril de 2008.

Coube ao brigadeiro apresentar a questão às principais organizações do Comando da Aeronáutica e convencê-las da necessidade e da viabilidade de tal empreitada. Isso começou pelo próprio DEPENS (Departamento de Ensino da Aeronáutica – órgão ao qual a AFA está subordinada) e chegou até o Estado-Maior da Aeronáutica. Perez deixou o comando da AFA em abril deste ano e pôde acompanhar somente o início da implantação do programa.

Os requisitos


O programa foi oficialmente lançado no início do segundo semestre de 2009. Alguns requisitos básicos foram exigidos dos candidatos: todos deveriam ser oficiais aviadores da reserva remunerada (R1) e estarem na condição de Reservista, não de Reformado (faz-se necessário um parênteses aqui para distinguir os dois casos. Quando um militar deixa a força ele é considerado Reservista, mas somente quando está na condição de Reformado ele pode equiparar-se a um aposentado).

Uma formação com quatro T-25 Universal do 2º EIA. Esta é a aeronave empregada atualmente pela FAB na instrução básica de seus cadetes.

Morar em Pirassununga também era condição “sine qua non”, e aqueles que desejassem participar do programa deveriam mudar-se para a cidade antes do início da instrução aérea do ano de 2010.

Em relação à avaliação curricular, este foi um item importante no critério de seleção e coube ao Conselho Superior de Ensino (CSE) da AFA a aprovação dos candidatos. Como era de se esperar, aqueles que no passado já haviam sido instrutores da Academia tiveram prioridade. Todos os interessados também passaram por junta médica e se submeteram a testes de condicionamento de aptidão física. Deve-se destacar que não houve nenhuma regalia para os candidatos. Eles passaram pela mesma bateria de exames que os demais instrutores de voo que, em média, são 20 anos mais novos!

Das duas dezenas de oficiais que se apresentaram, nove foram selecionados, mas somente seis foram efetivamente aproveitados neste primeiro ano do programa. Eles foram contratados pelo período de um ano, prorrogável por mais quatro. Durante a inscrição, foi solicitado a cada um dos interessados que fizesse a opção pela aeronave de instrução (T-25 ou T-27), mas por meio de um acordo comum entre os mesmos, associado às necessidades da AFA, dividiu-se o grupo em duas turmas de três (uma no 1º EIA e outra no 2º EIA).

Em janeiro deste ano, cada uma dessas turmas fez o CPIV (Curso de Padronização de Instrutor de Voo) da respectiva aeronave conforme orientação da Subdivisão de Instrução de Voo. Sendo assim, no dia 22 de fevereiro de 2010 a AFA deu início à instrução de voo para os cadetes-aviadores do segundo e do quarto ano com grandes novidades.

Um time pra lá de experiente

Em frente a um T-25 Universal do 2º EIA, os seis oficiais da reserva que integram o programa TTC e que contribuem para a instrução de voo.

Dos seis oficiais da reserva contratados pelo programa TTC para dar instrução de voo, dois são tenentes-coronéis e quatro são coronéis. Todos já passaram da quinta década de vida e, quando os mais antigos deixaram o serviço ativo, muitos dos atuais capitães e tenentes que dão intrução na AFA nem cadetes eram.

Alguns dos atuais cadetes possuem a idade dos seus filhos ou são mais novos que estes. Não é difícil encontrar os filhos de seus colegas de Força Aérea cursando a Academia. “Oi tio, lembra de mim? Eu sou filho do coronel ‘fulano’”, diz um cadete para um dos “coronéis”. A diferença de idade deu origem ao apelido “Esquadrilha do Vovô”.

Brincadeiras à parte, o relacionamento entre as gerações é excelente e os mais novos estão aproveitando muito o conhecimento e a experiência dos militares da reserva. Parte dos tenentes e capitães instrutores procuram estes oficiais superiores para sanar dúvidas e aprender algo mais.

Da FAB ao aeroclube e do aeroclube à FAB

Não é para menos. Além da ‘bagagem’ acumulada ao longo de suas carreiras na ativa, esses oficiais estão trazendo as experiências vividas fora da FAB. O tenente-coronel Fabio Cesar de Oliveira, por exemplo, passou parte do seu tempo na reserva em Natal, onde deu instrução de voo para civis.

“Fui instrutor em aeroclube. Lá era muito diferente. Um aluno ‘solava’(*) com 40 horas de voo em média. Aqui nossos cadetes ‘solam’ com cerca de 15 horas. A FAB exige muito mais e em menos tempo.” Diversas são as razões para isso. Primeiro porque não há recursos abundantes. Deve-se aprender o máximo, dispondo do mínimo. Além disso, os cadetes respiram Força Aérea dia e noite e o comprometimento com o curso é maior.


“Certa vez estava dando um briefing de pré-voo para um aluno lá no aeroclube. O celular dele tocou e ele fez sinal com a mão para que eu aguardasse um pouco enquanto ele atendia a chamada. Após terminar a conversa telefônica expliquei da importância do briefing e que o mesmo não poderia ser interrompido, pois comprometeria o voo. Ele acenou com a cabeça de modo afirmativo e retomamos o briefing. Não tardou muito e o maldito celular tocou novamente. Não teve jeito. Pedi para que ele fosse procurar outro instrutor”.

O oficial fala com o conhecimento de quem esteve intimamente vinculado à instrução de voo, tanto na AFA como no antigo CATRE (Centro de Aplicações Táticas e Recompletamento de Equipagens), para onde ia parte dos aspirantes que se formavam na Academia.

Fabio Cesar é filho de um brigadeiro reformado e conhece a FAB desde que nasceu. Nos últimos anos, já na reserva, estava morando em Natal antes de vir para Pirassununga. De longe também veio o coronel Marcio Cesar dos Santos: “Antes mesmo de ter a certeza de que estaria entre os selecionados, me mudei para Pirassununga”, tamanha era a vontade de volta ao “Ninho da Águias”. O coronel Marcio, que chegou a ser piloto do VC-96 (737-200), também conhecido como “o Boeing do presidente”, deixou a capital federal no ano passado, depois de atuar na Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República e auxiliar o ministro Roberto Mangabeira Unger na criação da END (Estratégia Nacional de Defesa).

Como ‘dar um baile’ na instrução de voo

O coronel Marcio e o coronel F. Cesar são velhos conhecidos. Formaram-se em 1979 na AFA, mas depois seguiram carreiras distintas dentro da FAB. O terceiro representante da turma de 1979 é o coronel José Bahia Soares, um soteropolitano que acabou fixando residência no Rio de Janeiro antes de se mudar para o interior de São Paulo. O Coronel Bahia voou diversas aeronaves na FAB, desde o antigo T-23 Uirapuru até os quadrimotores C-130 Hercules, passando pelos jatos HS-125.

Tenente-coronel Osny, coronel Bahia e coronel Lopes, atualmente lotados no 1º EIA, posam em frente a um ‘Tucano’. Na foto à direita aparecem os “coronéis” do 2º EIA. Da esquerda para a direita o coronel Flavio Campos, o coronel Marcio e o tenente-coronel Fabio Cesar.

De conversa fácil e sempre bem humorado, o coronel Bahia, com a sua experiência de mais de sete mil horas de voo e cinco décadas de vivência, procura instruir os jovens cadetes conforme os procedimentos da FAB, mas nem sempre os exemplos mais ditáticos estão nos manuais.

Certa vez, realizando uma aproximação com um cadete em sua ala, o avião do jovem piloto teimava em sair da formação. “Meu filho, você não pode dar bandeira. Imagine que o líder da formação é a sua namorada e a pista é só aquela garota interessante do baile. Para esta última você olha rapidamente só para saber onde ela está, mas concentre-se naquela que está segurando a sua mão”, disse ele ao cadete. Questionado sobre os métodos de instrução que existiam na sua época em relação aos atualmente empregados, o coronel Bahia responde: “Hoje a instrução aérea na FAB está muito mais padronizada. No meu tempo não era assim”.

Na foto acima, o coronel Bahia realiza um briefing com um dos cadetes do quarto ano, antes de um voo de instrução.

O coronel Bahia e o coronel Fabio Cesar hoje reforçam o time de instrutores do 1º EIA. Ao lado deles está o coronel Maurício Lopes dos Santos, ex-comandante do 2º EIA (ver foto abaixo). “A vida dos cadetes hoje é mais dura do que na minha época. Quando eu era cadete nós tínhamos mais tempo livre. Hoje eles são mais exigidos”, compara. Porém, todos concordam que o cadete atual chega mais preparado à Academia. “Esta geração chega aqui em Pirassununga já com um bom conhecimento sobre pilotagem e isso graças às novas tecnologias, como os simuladores de voo de computadores pessoais. Isso não existia antigamente”.

É claro que a paixão pelo voo também trouxe estes oficiais da reserva de volta à FAB. Mas o ato de voar poderia ser exercido também no meio civil. O próprio coronel Bahia foi por um bom tempo comandante em empresa de táxi aéreo depois de deixar o serviço ativo.

Além de continuar voando, a aviação civil proporciona boas remunerações. “Poderia estar ganhando quatro vezes mais lá fora” lembrou o tenente-coronel Osny Franco de Assis que durante certo tempo voou helicópteros Sikorsky S-76 para empresas de táxi aéreo sediadas em Macaé (estado do Rio de Janeiro) que fazem transporte de passageiros e cargas em apoio às atividades de produção e exploração de petróleo “offshore”.

Hoje, o coronel Osny é instrutor de voo do 2º EIA e recebe, como os outros cinco oficiais, um adicional que equivale a aproximadamente 30% dos seus vencimentos com reservista. Além disso, todos eles cumprem uma jornada de trabalho que, em tese, segue horário comercial de segunda a sexta-feira. Mas não são raros os dias em que os briefings ocorrem às seis da manhã e os voos seguem noite a dentro.

Instruindo e aconselhando jovens pilotos

Ao lado do coronel Osny e do coronel Márcio no 2º EIA está o coronel Flávio Campos de Oliveira. “Excluindo o meu tempo de cadete, servi aqui em Pirassununga por três oportunidades diferentes”, comentou o coronel Flávio Campos que, em uma das oportunidades chegou a ser o comandante do esquadrão onde hoje dá instrução. “Ao todo, foram 13 anos trabalhando na AFA”. Mesmo assim ele não se cansou e está de volta.

Interior do prédio do 1º EIA. A movimentação dos cadetes e instrutores é intensa durante todo o experiente.

“Teve um cadete que, de uma hora para outra, decaiu vertiginosamente no desempenho. Ele não comentou nada comigo, mas eu sabia que havia algum problema particular muito sério. Preferi afastá-lo do voo temporariamente antes que ele recebesse um ‘voo deficiente’. Depois fiquei sabendo que seu pai estava com a saúde debilitada, mas havia melhorado e acabou me mandando uma carta agradecendo a atenção que dei ao filho dele. Posteriormente, o cadete voltou a voar e seu desempenho melhorou, mas o pai dele veio a falecer”. Ser instrutor de voo é mais do que saber ensinar a arte de voar. É reconhecer também a individualidade do ser humano e respeitar os seus limites.

“Alguns cadetes escolhem o CFOAV (Curso de Formação de Oficiais Aviadores), mas depois de um tempo percebem que não era bem o que queriam. Antigamente, o cadete podia alterar sua opção. Foi o que aconteceu com um dos meus alunos no passado. Era um ótimo menino, mas voar não era o que ele gostava de fazer. Sugeri que procurasse a intendência e assim ele o fez. Passado certo tempo ele disse que aquele conselho tinha sido a melhor coisa de sua vida”. Um professor que é o instrutor de voo também deve aconselhar os seus alunos, e nada melhor do que ter experiência para isso.

O futuro do programa

Uma aeronave T-27 Tucando do 1º EIA taxiando em direção ao seu hangarete, após a conclusão de mais um voo.

Ao término da instrução aérea do ano de 2010, o Conselho Superior de Ensino da AFA avaliará o programa e decidirá pelo destino do mesmo. Caso a avaliação seja positiva, além da renovação do contrato dos atuais oficiais da reserva, outros poderão ser chamados, liberando mais pilotos da ativa para os esquadrões de primeira linha.

O CSE disporá de todos os elementos necessários para avaliar o programa. Através da tabulação de diversas informações e cálculos estatísticos o futuro do programa será friamente decidido. Nós, no entanto, já temos a nossa certeza. A expressão de felicidade estampada no rosto de cada um dos “coronéis da reserva” é a prova de que o programa é um sucesso.

poder aéreo

Um comentário:

Ramon Matos disse...

Como que um aluno passa no concurso CFOAV e diz que voar não é muito o que ele gostaria de fazer? Para mim, é mais do que um sonho pena ser um concurso de nível tão difícil e ter idade máxima para entrar. Atualmente tenho 17 anos, mas mesmo assim sei que não tenho todo tempo do mundo e que se não conseguir até os 23 anos esse sonho que nasceu e cresceu comigo morre juntamente com todo um futuro que eu teria sendo um aviador dentro da FAB.