O procurador do Ministério Público do Trabalho no Distrito Federal, Fábio Leal Cardoso, questiona a legalidade do programa de licença não remunerada para tripulantes da Gol Linhas Aéreas. Em entrevista ao Valor, Cardoso afirmou que pretende enviar uma representação à procuradora-chefe Ana Cláudia Rodrigues Bandeira Monteiro, até hoje, para que a questão seja analisada.
A Gol abriu de 6 a 16 de março um programa de licença não remunerada de um ano, com início em 1º de abril, para pilotos e comissários. Segundo o Sindicato Nacional dos Aeronautas, a companhia pretende obter a adesão de 220 funcionários, divididos meio a meio entre pilotos e comissários.
Cardoso afirmou que a licença não remunerada não é disciplinada expressamente na CLT (Consolidação das Leis do Trabalho). Nesse sentido, esse tipo de licença precisa ser analisado caso a caso - é um instrumento que permite uma alteração no contrato de trabalho, desde que não seja prejudicial ao trabalhador. Segundo ele, essa licença só deve ser adotada se for um pedido do funcionário, em casos de cursos no exterior ou de doença na família, por exemplo.
"A licença sem remuneração deve atender ao interesse do empregado e não do empregador. Por essa fundamentação, essa licença [da Gol] pode resultar numa alteração ilícita do contrato de trabalho, porque é prejudicial ao trabalhador", diz Cardoso. Por isso, acrescenta, o programa da Gol "é facilmente questionável na Justiça".
Na segunda-feira, a Gol informou que obteve adesão parcial ao programa. Uma prorrogação para até o fim do mês ainda deverá ser discutida entre sindicalistas e representantes da companhia. Uma reunião que estava prevista para ocorrer hoje deverá ser transferida para a semana que vem.
Uma comissária da Gol, que falou sob condição de anonimato, afirma que além das licenças, a Gol está demitindo uma média de cinco funcionários por dia desde o início do ano. De acordo com ela, as dispensas incluem funcionários de serviços em terra (aeroviários). Somente de comissários, até 120 teriam sido demitidos.
A Gol informou que, desde o início do ano, registrou a demissão de cerca de 100 aeronautas. De acordo com a companhia, diante de 6 mil funcionários, esse é um "turnover natural".
A Gol informa que optou pelas licenças não remuneradas "para se adequar aos períodos de baixa demanda". A Gol informa que tem 1,8 mil pilotos, mas não confirma o número de adesões pretendido, nem o obtido. "Mesmo com o consentimento do trabalhador, essa alteração não pode ser prejudicial a ele. A Justiça pode anular", afirma o procurador Cardoso.
O assessor econômico do Sindicato Nacional dos Aeronautas, Cláudio Toledo, diz que a Gol não acompanhou o crescimento da demanda no mercado doméstico. Com dados da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), referentes a janeiro, ele lembra que o crescimento do fluxo de passageiros cresceu 7,77%, na comparação com janeiro de 2010.
A Gol, em contrapartida, amargou recuo de 1,78% na demanda na mesma base de comparação, mas aumentou em 6,89% a oferta no mesmo período. "Gostaria de entender a conta que a Gol está fazendo. De um lado, está abrindo licenças não remuneradas. Por outro lado, planeja retomar voos aos Estados Unidos e vai precisar de mais tripulantes. Ela poderia fazer uma realocação", afirma Toledo.
A Bradesco Corretora, em relatório divulgado na segunda-feira, também destacou o desempenho operacional da Gol, aquém da média do mercado. A prévia dos resultados do quarto trimestre de 2011 indica prejuízo líquido de R$ 177 milhões, ante lucro de R$ 132 milhões em igual período de 2010. Até o terceiro trimestre, a Gol acumula prejuízo líquido de R$ 843,2 milhões. O balanço referente a 2011 deve ser divulgado no dia 26.
O assessor econômico do sindicato dos aeronautas observa que, apesar da desaceleração do crescimento da demanda por voos domésticos, o mercado continua aquecido. Portanto, diz ele, os pilotos da Gol que entrarem em licença ou que forem demitidos não encontrarão dificuldade em encontrar trabalho.
Há pouco mais de um ano, quando a demanda doméstica por voos crescia além dos 23%, as companhias reclamavam de falta de pilotos no mercado. Depois disso, o ritmo de crescimento caiu a 15,7% em 2011. Para 2012 a projeção é de 10%.
A comissária da Gol que não quis ter o nome revelado diz que muitos colegas pensam em aderir ao programa para não serem demitidos. Advogado especialista em relações trabalhistas no setor aéreo, Carlos Duque Estrada diz que nesse tipo de licença o contrato de trabalho fica suspenso. O funcionário poderia, então, trabalhar em outra companhia aérea.
E-mail enviado pela Gol a seus tripulantes informa que o funcionário que aderir ao programa não tem estabilidade garantida no retorno.
Valor Econômico Por Alberto Komatsu
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