Estudo encomendado pela Agência Nacional da Aviação Civil (Anac), e divulgado semana passada com exclusividade pelo Valor (14 de maio), faz uma radiografia inédita do setor aeroportuário nacional, analisa a experiência internacional, defende a instituição de um novo marco regulatório e propõe a privatização da Infraero, a estatal que administra os 67 aeroportos federais. O trabalho, elaborado por dois especialistas no assunto - o professor Heleno Martins Pioner, da FGV, e o economista Eduardo Fiúza, do Ipea -, vai subsidiar as discussões em curso na Anac sobre a reestruturação do setor.
Pioner e Fiúza propõem a cisão da Infraero, a abertura de capital das novas subsidiárias e, numa etapa posterior, a privatização. Eles sugerem que, antes da desestatização, o governo crie as condições para que haja competição no setor, tarefa que demandará o estabelecimento de um novo marco regulatório. Seria a forma de evitar a ocorrência de ineficiências pós-privatização, como as verificadas no setor ferroviário e mesmo no petrolífero.
O estudo ajuda a instruir um debate necessário, mas a diretoria da Anac sabe que são mínimas, talvez próximas de zero, as chances de o governo Lula privatizar o que quer que seja na reta final do mandato. A essa altura, o presidente não tomará nenhuma decisão que possa subtrair votos de seu candidato à sucessão. Como acredita que a demonização das privatizações, levada a cabo na eleição de 2006, o reaproximou de setores da esquerda, ajudando-o a vencer aquele pleito, não fará nada neste momento que possa parecer uma contradição.
A Anac tem, no entanto, a obrigação de debater o tema e o está fazendo. Sua missão é institucional e vai além de mandatos eleitorais. O setor aeroportuário brasileiro experimentou taxas de crescimento recordes nos últimos seis anos, e muitas de suas estruturas se tornaram obsoletas. Mesmo em meio ao boom do setor, a Infraero amargou prejuízos em três dos últimos quatro anos.
Segundo Pioner e Fiúza, entre 2002 e 2007, os aeroportos de Guarulhos e de Viracopos foram os únicos que demonstraram ser superavitários e plenamente sustentáveis. Trata-se, portanto, de uma estrutura que precisa ser revista o mais rápido possível, do contrário, o país assistirá ao advento de novos apagões aéreos e, como consequência, à alta constante dos preços das passagens. Deve-se lembrar ainda que o Estado brasileiro, mesmo com a pesada carga tributária imposta à sociedade, perdeu a capacidade de bancar investimentos pesados em infraestrutura.
A privatização pura e simples do sistema aeroportuário pode não ser a única solução possível, mas as autoridades deveriam analisar com atenção as experiências internacionais. Entre os casos em que houve fracasso, está o da Argentina, onde o governo vendeu, em 1998, 33 aeroportos em bloco, exigindo do grupo ganhador investimentos ao longo de 30 anos e o pagamento de royalties para subsidiar as unidades menos rentáveis. O profundo abalo vivido pela economia argentina em 2001 pôs tudo a perder, obrigando as autoridades a renegociarem os contratos e a cortarem 50% dos royalties.
O desastre deixou várias lições. A primeira é que, ao privatizar, o governo argentino aparentemente deu maior importância à arrecadação de receita do que ao aumento da competição. A empresa concessionária, por sua vez, esperou muito tempo para renegociar o contrato, tornando demasiadamente custosa a sua substituição por outra administradora. Diante da insolvência da concessionária, o governo não retomou a concessão, perdendo dinheiro e deixando de examinar outras ofertas.
Há, porém, vários casos bem-sucedidos de privatização em outras partes do mundo - por exemplo, nos EUA, na Inglaterra e no Canadá. Na Alemanha, o aeroporto de Frankfurt, o maior da Europa, abriu o capital e vendeu ações até o limite do controle (49%). A Fraport, empresa que administra o aeroporto, tem como acionistas majoritários o Estado de Hesse e a prefeitura de Frankfurt, mas o modelo de governança é regido por metas e critérios de eficiência, conceitos inexistentes no sistema estatal brasileiro.
Fonte:Aeroportos no Brasil
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