Trabalho de busca por vestígios do acidente no Atlântico corre em paralelo às investigações sobre a causa da tragédia, que pode ameaçar a credibilidade da Airbus e Air France |
A cada dois anos, o complexo aeroespacial de Le Bourget, próximo a Paris, exibe um orgulho francês. Acontece ali um dos mais importantes eventos do setor aeronáutico do mundo: o Salão da Aeronáutica e do Espaço, palco para grandes negócios da indústria e, sobretudo, para conquistas da gigante Airbus, fabricante europeia de aviões que divide a hegemonia na área dos grandes jatos com a americana Boeing. Nesta segunda-feira 15, haverá mais preocupação do que festa na abertura da nova edição da feira. "O acidente do voo 447 da Air France pode queimar a imagem do A350, cujas entregas já estão muito atrasadas", afirmou à DINHEIRO uma fonte da Airbus. O A350 é o sucessor do A330, modelo que caiu no mar durante a travessia do Atlântico há duas semanas, com 228 pessoas a bordo, num episódio ainda envolto em dúvidas. De estrelas da festa, Air France e Airbus transformaram-se em alvo de pressões internas e externas e chegam a Le Bourget cercadas de perguntas de todo o mundo.
A companhia aérea responsável pelo voo recebe, por enquanto, a maior carga dessas pressões, inclusive internas. Num primeiro momento, sua atuação na gestão da crise foi tida como exemplar. Quando o desaparecimento do voo AF447 foi anunciado pela Air France, jornalistas do mundo inteiro correram para o aeroporto Charles de Gaulle, em Paris, onde os passageiros vindos do Rio de Janeiro deveriam desembarcar. As paredes de vidro transparentes da porta "E" do terminal 2 mostravam uma esteira de bagagens vazia. No momento em que soube que o Airbus A330 provavelmente não voltaria a aparecer nos radares, a companhia acionou um dispositivo que protegia não só as famílias, mas as primeiras informações sobre as investigações que estavam em andamento. A Air France foi rápida. As famílias foram levadas para uma célula de apoio. Outra célula foi criada, a de crise. Os dois lados deveriam ser geridos pela companhia: o emocional e o racional. Conforme aquela segunda- feira ia passando, a empresa criou ainda uma outra célula de apoio às famílias, desta vez no Rio de Janeiro.
Para alguns, ao proteger as famílias, a companhia também preservou sua imagem. "Mesmo que as explicações sobre as causas do acidente ainda estejam longe de serem conhecidas com clareza, (os dirigentes da companhia) se esforçaram para dar explicações claras e com o máximo de transparência", afirmou Maurice Lévy, presidente da agência Publicis à revista francesa Challenges. O tempo e o posterior silêncio da companhia, porém, se encarregaram de mudar a percepção em relação à Air France. Com informações cada vez mais escassas, as suspeitas sobre as causas da tragédia se multiplicavam. A imprensa especulava e reclamava mais notícias. Surgiu a hipótese de um problema já informado pela Airbus, em 2007: os sensores pitot, que medem a velocidade dos aviões da empresa, apresentavam um defeito. No mesmo instante, os pilotos da Air France ameaçaram a companhia aérea com a suspensão das decolagens do A330, enquanto a peça não fosse trocada. "Essas dúvidas sobre o que realmente aconteceu afetam a imagem da Air France, mesmo que a empresa seja conhecida pelo zelo na manutenção de seus aviões", afirma Yves Marcais, da consultoria francesa Global Éqüites. "A questão da troca dos sensores de velocidade não ficou clara. As informações não foram bem divulgadas. Existe confusão e isso pode influenciar na cotação das ações da companhia", diz. Gerard Arnaux, porta-voz do sindicato de pilotos da Air France que ameaçou não voar com os A330, acredita que algo poderia ter sido feito antes em relação ao sensor defeituoso. "Vários incidentes de perda de velocidade ocorreram em 2008 em voos da Air France. O alarme já tinha soado e nada foi feito. Isso é inaceitável", acusa Arnaux.
Se a companhia tenta preservar sua imagem diante da desconfiança geral, desde a tragédia a Airbus se limitou a publicar comunicados sobre as características do A330 e suas advertências em relação ao problema. Internamente, comenta-se a preocupação de que as vendas do novo A350, que substituirá a família 330, não sejam afetadas pela queda do avião da Air France. "Tirando isso, a empresa não se sente visada pelo que aconteceu. Nem mesmo uma célula de crise foi montada para investigar o acidente, o que costuma acontecer em casos assim", diz um funcionário, lembrando do A320 da TAM em Congonhas, em 2007.
A fonte garante que existe desconfiança em relação a um de seus clientes mais fiéis. "A impressão que nós temos é que a Air France está escondendo o jogo e que quando a verdade aparecer, não vai ser nada boa", diz. A Air France se defende. Procurada pela DINHEIRO, a empresa preferiu não comentar as críticas e informa que, desde o acidente, 12 comunicados foram divulgados. Até o momento, a companhia parece preservar a imagem de competência e seriedade. Mas o veredicto só deve sair quando forem encerradas as investigações sobre a queda do A330. Isso, se elas chegarem a uma conclusão.
Nenhum comentário:
Postar um comentário