Confiante no modelo de baixo custo, fundador da Gol diz que não precisa comprar outras empresas para fazer frente à criação da maior companhia aérea da América Latina.
Há três meses, a fusão entre a brasileira TAM e a chilena LAN criou a maior companhia aérea da América do Sul. Desde então, só se pergunta uma coisa no setor: o que será da Gol? Depois de ver sua principal rival se agigantar e enfrentar uma onda de boatos sobre possíveis aquisições, Constantino de Oliveira Júnior, presidente e controlador da empresa, afastou-se da imprensa. Na semana passada, ele decidiu romper o silêncio e concedeu a seguinte entrevista ao Estado.
Desde o anúncio do negócio entre TAM e LAN, o setor se pergunta: como a Gol vai reagir?
Eu percebo isso. Mas, para fazer frente à concorrência, não necessariamente a gente precisa fazer um movimento parecido. O modelo de negócios da Gol é diferente do modelo da Latam. Nossa estratégia de baixo custo e baixa tarifa continuará independentemente da fusão. Considerando o mercado brasileiro, em desenvolvimento, esse é o modelo vencedor. É isso que eu tenho passado para os investidores. E tem dado certo: temos conseguido manter uma valorização razoável das nossas ações e estamos aumentando nossas margens operacionais sem aumento de tarifa.
Houve muita especulação sobre negociações da Gol com concorrentes.
Avianca, Aerolíneas, Copa... Depois que LAN e TAM se juntaram, começaram as especulações sobre todas as possibilidades. Não existe nenhum diálogo que possa justificar os boatos. Não vamos fazer lances mirabolantes para fazer frente ao crescimento da Latam.
Então como a Gol vai crescer?
Vamos continuar perseguindo a popularização do transporte aéreo no Brasil e melhorar as margens com base em receitas auxiliares, sem depender, necessariamente, do aumento da tarifa. A venda a bordo é uma das estratégias. Até este mês a gente tem feito 42 voos com venda a bordo. No fim de dezembro, devemos ter até 136 voos por dia. O que também melhora a receita é a venda de milhas para parceiros e serviços como o aluguel de carros e a reserva de hotéis feitos pelo site com parceiros. No transporte de cargas, construímos um novo terminal em Congonhas e estamos na fase final de um projeto de terminal de cargas em Guarulhos.
Segundo previsões da IATA (principal organização do setor aéreo), vão sobrar poucas companhias aéreas no mundo e a consolidação só vai aumentar. A Gol não teme ficar isolada, de fora desse processo?
A IATA é das legacy (as companhias tradicionais, que fazem voos internacionais), com outro modelo de negócios. Se você olhar o modelo de baixo custo, historicamente, essas empresas têm retorno maior que seu custo de capital. Já as empresas tradicionais têm retorno sobre o investimento menor que o custo de capital. Ou seja, elas perdem valor ao longo do tempo. As de baixo custo, não.
A Azul é comandada por um americano nascido no Brasil. A Trip tem investimento de americanos. A TAM vai se juntar à maior empresa chilena e a participação estrangeira na aviação deve aumentar com a aprovação de uma nova lei. Como a Gol vai se defender do avanço estrangeiro?
À medida que houver reciprocidade, pode ter até 100% de capital estrangeiro. Não tem problema. Uma empresa como a nossa tem condição de competir com qualquer outra. Dentro do nosso campo aqui no Brasil, entendendo que nós temos diferenças estruturais, um sistema tributário e trabalhista complexo, a gente consegue competir. Um exemplo disso é a Azul: a empresa trouxe gestores de fora e o balanço deles publicado na Anac teve uma perda de quase R$ 60 por passageiro embarcado no ano passado. Não sei se isso fazia parte do plano deles.
Novas empresas, como Webjet e Azul, têm roubado mercado de TAM e Gol. Isso deve continuar?
Acho que continua. Provavelmente, vão crescer mais do que as empresas estabelecidas. Essas empresas têm nos ajudado muito no estímulo da demanda. E como estão dispostas a comprar mercado, faz parte do planejamento estratégico deles.
O crescimento dessas empresas é sustentável?
A gestão da Azul é experiente, competente, sabe o que está fazendo. E a Webjet tem lá pessoas muito boas também. Então, acho que eles vão achar um caminho e prefiro entender que vão encontrar a rentabilidade mais cedo ou mais tarde.
O sr. vê o surgimento de uma companhia que faça frente à Gol e TAM?
Ah, é difícil. Rápido assim é difícil. Nós demoramos dez anos para chegar aqui. Não acho que vai ser de uma hora para outra, não. Mesmo se imaginarmos uma fusão entre as pequenas, são frotas totalmente diferentes. Os ganhos de sinergias não seriam tão representativos.
Como vocês têm enfrentado o problema da escassez de pilotos?
O Brasil exporta mão de obra e não pode importar. Essa balança é um pouco perversa para a companhias. Tivemos uma saída fora do normal de pilotos para o exterior no primeiro semestre. E para formar um comandante, um copiloto, da contratação até o primeiro voo, leva seis meses. Hoje falta piloto no mundo todo. Você não acha nem vaga em simulador (equipamentos para treinar pilotos). Estamos formando nossos pilotos em Miami, Frankfurt e Amsterdã. Até o começo de 2011, teremos contratado 400 pilotos.
O que a empresa tem feito para driblar a falta de investimento em infraestrutura nos aeroportos?
Em janeiro, em torno de 8% dos nossos passageiros faziam seu próprio check-in pela internet, nos totens ou por celular. Hoje esse número é de 28%. Em alguns aeroportos, como Brasília, 48% dos passageiros fazem seu próprio check-in. Quase todo o crescimento que tivemos nesse ano, em tese, foi absorvido pelo autoatendimento. Não vimos as filas aumentarem. Pelo contrário, conseguimos gerenciar melhor. E o investimento é grande nesse tipo de iniciativa, como na compra de softwares.
O que mais vocês estão fazendo?
Também estamos tirando as conexões de grandes centros como Guarulhos e Congonhas. Na medida do possível, a gente tenta transferir as conexões para Galeão (Rio), Confins (Belo Horizonte) e Brasília.
Em quanto tempo a empresa começará a enfrentar gargalos se não houver grandes expansões?
Mais uns 5 anos, se continuar nesse ritmo. Em Guarulhos ainda tem espaço para voos no meio do dia. Mas, para montar uma malha, definitivamente não dá. Em nenhum dos grandes aeroportos dá. Congonhas e Guarulhos estão restritos, Santos Dumont (Rio) também, Brasília está próximo do limite e Confins está crescendo muito rápido. A questão é que os aeroportos não dependem só de terminais ou pistas. Um estudo da McKinsey mostra deficiências nos diferentes aeroportos, como falta de estacionamento para o cliente, por exemplo. Tem uma série de medidas paliativas que podem ajudar.
A Gol tem a intenção de participar do setor de aeroportos?
Se necessário, sim. Nosso negócio não é construir e operar aeroporto. Só se couber à companhia cuidar do aeroporto para conseguir exercer sua atividade.
Qual deve ser o impacto da Copa do Mundo para a Gol?
Os estrangeiros devem vir de voos fretados e isso cresce enormemente. A demanda de passagens na aviação regular até cai um pouco. Mas isso gera congestionamento no aeroporto e no tráfego aéreo. Em termos estratégicos, a nossa preocupação é que a Copa é uma oportunidade para tornar o Brasil conhecido como destino turístico. Se nessa oportunidade tiver uma operação atrapalhada, gera o efeito contrário. E hoje a gente já não causa uma boa impressão.
Como a empresa tem percebido a ascensão da nova classe média?
Quando começamos operar, dez anos atrás, eram 5 a 7 milhões de pessoas voando. Hoje deve estar em torno de 17 milhões e continua crescendo. Percebemos a mudança no perfil dos passageiros. Às vezes, por exemplo, o pessoal vem com malas muito cheias ou malas velhas, que não suportam o peso. Normalmente, essa classe viaja para visitar parentes porque a hospedagem é mais barata. À medida que os hotéis se tornam mais baratos, aumenta o turismo de lazer.
Apesar dessa euforia, o setor é extremamente sensível a crises...
Em 2006, eu fui jantar com o vice-presidente comercial da Boeing. Era um dos "Top Gun" lá. Ele estava me explicando o seguinte: entre 2004 e 2005, a Boeing recebeu 200 ligações de empresários que gostariam de adquirir um avião para montar uma companhia aérea. Desse total, em torno de 20 efetivamente começaram a operar com aviões do porte de Boeing. Das 20, só cinco sobreviveram mais do que dois anos. E, dessas 5, só uma passou do quinto ano de vida. Ou seja, de 200 intenções, apenas uma passou do quinto ano. O nível de mortalidade é altíssimo.
Então por que os empresários ainda investem em companhias aéreas?
Porque nessas horas você só pensa no lado bom. E o risco não é só financeiro. Certa vez estava entrevistando um candidato a executivo de uma potencial empresa que abriríamos no México. Eu já estava em vias de contratá-lo. O cara chegou aqui todo alegre. Conheceu a empresa, estava super empolgado. Aí, fez a entrevista comigo e eu perguntei: pode ser que amanhã, por azar do destino, um acidente aconteça numa cidade grande, como São Paulo. Cai um avião em cima de um prédio, um desastre de grande proporções. Você está preparado, a sua família está preparada, para encarar a situação? O cara baixou a cabeça, saiu e não voltou mais.estadão
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