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terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Neeleman ao estilo Rolim

Azul regionaliza operação e estuda entrar em 40 cidades

Eram passados 20 minutos do voo AD 4063, com destino a Porto Alegre, quando um homem alto e grisalho repetiu um gesto que já se tornou rotina em suas viagens pelo Brasil: levantou da poltrona, deu alguns passos até a área de comissários e, pelo interfone, pediu a atenção dos passageiros. “Meu nome é David e sou fundador desta companhia. Queria agradecer a preferência e ouvir suas reclamações e sugestões”, disse David Neeleman, 51, fundador da Azul Linhas Aéreas, com um forte sotaque americano.

David Neeleman, presidente da Azul, conversa com passageiros

Após discorrer sobre as novidades da empresa, percorreu as fileiras para conversar com as pessoas. Quando voltou ao seu lugar quarenta minutos depois, tirou do bolso anotações em guardanapos e cartões de visita. “Ouço todo tipo de coisa, mas grande parte dos passageiros sugere novas rotas”, afirmou ao iG. Nos próximos meses, parte desses pedidos deve ser atendida pela companhia. A Azul se prepara para dar início à regionalização de suas operações. Para isso, a empresa comprou 40 ATRs, avião turboélice de 70 lugares, que no primeiro trimestre de 2011 começarão a voar para cidades de médio porte. “Não tinha essa ideia quando fundei a Azul, foi uma oportunidade que encontrei”, disse o empresário.

David Neeleman na sede da Azul: regionalização dos voos para atender cidades de médio porte
Foto: Greg Salibian/iG

David Neeleman na sede da Azul: regionalização dos voos para atender cidades de médio porte

mudança estratégica da companhia. Quando foi criada há dois anos, completados no último dia 15, ela tinha como objetivo concorrer com as líderes do mercado, Gol e TAM. "A mudança no plano mostra o quanto é difícil concorrer com TAM e Gol", afirma André Castellini, especialista em aviação da consultoria Bain & Company.

Apesar do crescimento rápido (a empresa tem um frota de 26 jatos da Embraer, seis milhões de passageiros transportados e viaja para 28 destinos), a Azul nunca conseguiu entrar nos dois aeroportos mais movimentados do País: Guarulhos e Congonhas, ambos em São Paulo.

Para compensar a falta de oportunidade, a empresa decidiu criar voos regulares em regiões ricas e populosas que não são atendidas ou têm poucos voos comerciais. O objetivo? Trazer os passageiros para aeroportos maiores, da onde embarcarão para outros destinos. Os números mostram que a estratégia faz sentido. No final da década de 1990, as companhias aéreas voavam para 200 cidades. Apesar do crescimento da economia brasileira e do aumento no número de passageiros nos últimos anos, hoje apenas 128 municípios recebem voos regulares, segundo dados da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac).


Em sua sala na Azulville, como é chamada a sede da companhia aérea em Barueri, na Grande São Paulo, Neeleman estuda as novas rotas regionais com a ajuda de um mapa do Brasil pendurado na parede. A companhia aérea estuda a viabilidade econômica de 40 cidades brasileiras, mas a escolha, claro, não é aleatória. Para decidir em quais municípios a companhia vai desembarcar nos próximos meses, a empresa leva em consideração o número de habitantes na cidade e a quantidade de pessoas na região, o PIB per capita e as condições do aeroporto local. Para percorrer todos os destinos, Neeleman pediu um jato executivo Phenon 100 emprestado para a Embraer e, num único dia, visitou cinco cidades: Foz do Iguaçu e Cascavel, no Paraná, Criciúma e Chapecó, em Santa Catarina, e o município gaúcho de Passo Fundo. “São cidades com alto poder aquisitivo, com BMW nas ruas, mas com pouco ou nenhum voo comercial”, disse ele. “Depois de estudar as cidades vou até lá para ter sentir o clima”. Com a entrada na aviação regional, a Azul espera aumentar sua participação no mercado aéreo brasileiro, hoje na casa dos 6%. Até o final do ano que vem, a companhia pretende voar para 50 destinos e ter uma frota de 43 aeronaves.

As rotas regionais começarão a funcionar no final do primeiro trimestre de 2011. A demora tem explicação: apesar de ter fechado a compra dos ATRs por US$ 850 milhões em meados deste ano, a Azul só recebeu a primeira unidade no final da semana passada. Agora, a empresa tem de aguardar a homologação da aeronave, processo que pode ser lento. A compra de um avião francês representa outra mudança da Azul. Quando foi lançada, no início de 2008, ela propagandeou com orgulho que seria a primeira companhia aérea brasileira a voar com aviões produzidos no País. A decisão pelos turboélices franceses foi econômica. Em viagens de até uma hora, o ATR é apenas 10 minutos mais lento do que um modelo a jato. Em compensação, consome quase metade do combustível, que representa quase 50% do custo de uma companhia aérea. Quem pensa que a decisão da Azul de apostar nos aviões franceses estremeceu as relações entre as empresas está enganado. “O David teve a delicadeza de me ligar para avisar sobre a compra dos ATRs”, disse ao iG Frederico Curado, presidente da Embraer. “Com um número maior de passageiros, quem sabe eles não voltam para comprar mais jatos”.

Aeroporto fantasma

Com seus destinos regionais, a Azul promete trazer vida a aeroportos vazios ou pouco usados em muitas cidades do interior. Em menores proporções, eles passarão por um processo de transformação parecido com o ocorrido no aeroporto de Viracopos, em Campinas, cidade localizada a 80 quilômetros de distância da capital paulista, depois que a Azul o escolheu a cidade para ser sua principal base operacional no Brasil. A empresa firmou um centro de distribuição de voos no aeroporto e ofereceu ônibus gratuito para os passageiros de São Paulo e de cidades vizinhas. Um ano depois que a Azul começou a voar, o número de passageiros em Viracopos triplicou e atingiu 3,4 milhões no final de 2009, de acordo com dados da Infraero. É um crescimento de 400% – o maior crescimento de um aeroporto em todo o mundo. No mesmo ano, Guarulhos expandiu 15% e Congonhas, 12%. E o número não para de crescer: entre janeiro e outubro de 2010, 4,3 milhões de pessoas embarcaram ou desembarcaram em Campinas.

Foto: Greg Salibian/iG

A Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias na sede da Azul: aprendizado durante missão no Brasil

Quem circula pelo movimentado (e às vezes caótico) aeroporto de Viracopos não imagina que até bem pouco tempo o cenário era muito diferente. Acompanhado de dois executivos, o diretor de marketing Gianfranco Beting e o vice-presidente operacional Miguel Dau, Neeleman foi conhecer as instalações pela primeira vez em fevereiro de 2008. Seu objetivo? Avaliar se o aeroporto poderia ser usado como base da companhia aérea que seria lançada meses depois. O que encontraram seria considerado desanimador para a maioria das pessoas: havia poucos passageiros circulando pelos corredores e eram raros os funcionários nos balcões de check-in das companhias aéreas. Desacorçoados, os dois executivos viram Neeleman andar freneticamente de um lado para o outro. Quando finalmente parou após alguns minutos, chamou os dois de lado. “Cara, nós vai ganhar muito dinheiro aqui”, disse o empresário americano. “Essa é a diferença de um líder, um visionário”, afirmou Beting. “Ele vê oportunidade onde muita a maioria das pessoas veria um problema”.

Quando a Azul começou a operar, em dezembro de 2008, ela tinha US$ 235 milhões e uma estratégia bem definida: entrar em um destino com preços abaixo das tarifas cobradas nas viagens de ônibus. A primeira rota da empresa, de Campinas para Salvador, saiu por R$ 199, quando uma passagem de ônibus custava R$ 229 e, de avião, R$ 850. O crescimento no número de passageiros na rota foi imediato. Antes, apenas 34 pessoas viajam entre as cidades por dia. Hoje são 600. “É como vender queijadinha”, afirmou Gianfranco Beting, diretor de marketing a companhia. “Você dá uma de graça para o cliente experimentar e depois espera ele voltar para comprar mais”.

A entrada da Azul influenciou, sim, a redução de preços nos destinos que ela começou a operar, mas o ticket médio do bilhete caiu em 2010 pela competição maior entre as líderes TAM e Gol, afirma Castellini. "Nas rotas que opera, qualquer empresa nova vai gerar reação da concorrência. Mas o que está por trás da queda da tarifa média é a disputa entre as duas grandes", diz o consultor.

A Azul não abre números do faturamento da empresa. No ano passado, registrou um prejuízo de cerca de R$ 140 milhões, de acordo com o balanço das companhias aéreas divulgado em novembro deste ano pela Anac. O fundador da Azul admite que a companhia ainda não gerou lucro, mas diz que este quadro vai se reverter no ano que vem e que a empresa vai permanecer no Brasil no longo prazo. “Nossos investidores não têm pressa em recuperar o investimento”, disse Neeleman.

DDA

A Azul não é a primeira companhia aérea de Neeleman. Casado e pai de nove filhos, ele sempre foi fascinado por aviões. Quando era criança, passava horas no aeroclube da cidade, perto de sua casa, onde ficava observando o sobe e desce das aeronaves e os saltos dos paraquedistas. Ao contrário de outros garotos com o mesmo interesse, nunca quis ser piloto. Seus sonhos eram maiores. Entrou no ramo pela primeira vez aos 23 anos, quando montou uma agência de turismo que vendia pacotes para o Havaí. Foi um sucesso. Com o crescimento do negócio, decidiu dar um passo mais ousado: criou uma empresa para fazer voos charter entre a capital de Utah e as paradisíacas praias havaianas. Era o início da sua primeira companhia aérea, a Morris Air. A empresa vendia tanta passagem na rota que despertou a atenção da Southwest Airlines, a maior companhia aérea de baixo custo do país, que desembolsou US$ 129 milhões para comprá-la. Durante alguns meses, Neeleman deu expediente na Southwest. Mas logo se deu conta de que a vida de executivo não era para ele.

Foto: Greg Salibian/iG

Com um modelo do avião da Azul, Neeleman vai usar ATRs para transportar passageiros de cidades menores para grandes aeroportos

Com US$ 25 milhões na conta bancária e um contrato que o impedia de montar uma nova companhia aérea nos Estados Unidos, Neeleman cruzou a fronteira ao norte do País para criar a WestJet Airlines. Seu modelo? Vender passagens a baixo custo para os canadenses. Era sua segunda companhia aérea, a segunda bem sucedida. A WestJet é, até hoje, uma das maiores do Canadá. Mas foi a partir da terceira que Neeleman passou a ser mais conhecido. Depois de cumprir a quarentena, o empresário voltou aos Estados Unidos para fundar a JetBlue em 2000. O modelo, mais uma vez, era de passagens baratas. Com uma diferença importante: além de preço, ela oferecia vantagens ao passageiro. Logo, a JetBlue seria conhecida pela pontualidade, oferecer rádio e TV via satélite de graça. Nas palavras do Neeleman, a companhia procurava “trazer a humanidade de volta à aviação”. Deu certo. A JetBlue cresceu e foi a única companhia aérea a fechar o balanço no azul depois dos atentados terroristas de 11 de setembro, que desencadearam uma grande crise no setor.

As coisas na JetBlue iam bem até que uma forte nevasca instalou o caos nos aeroportos americanos. Uma das aeronaves da companhia ficou horas parada na pista, com os passageiros dentro. A JetBlue e Neeleman, seu presidente à época, receberam duras críticas. Segundo especialistas, a empresa não estava preparada para enfrentar um problema como aquele. Três meses depois, o empresário recebeu um golpe: foi afastado do cargo pelo conselho de administração da empresa. Foi quando Neeleman começou a olhar para o Brasil, onde nasceu. Filho de um jornalista americano que trabalhava como correspondente da United Press Internacional (UPI) em São Paulo, ele foi criado no bairro de Cerqueira César. Aos cinco anos, voltou com a família para os Estados Unidos e logo descobriu que sofria de Distúrbio do Défict de Atenção, DDA. A doença prejudicou as notas escolares, mas ajudou Neeleman a pensar fora da caixinha. Entre outras coisas, o empresário acabou com os antigos bilhetes aéreos, que eram impressos num papel mais grosso e caro, e inventou um sistema de check-in que é usado por dezenas de companhias aéreas ao redor do mundo.

A ligação com o Brasil e a religião (é mórmon fervoroso e construiu uma Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias na sede da Azul em São Paulo) fizeram com que ele retornasse ao Brasil aos 18 anos, como missionário. A miséria que encontrou no Nordeste mudaria para sempre a vida do empresário. “Foi quando percebi que todas as pessoas devem ser tratadas com o mesmo respeito", disse Neeleman. O aprendizado no Nordeste é aplicado no dia-a-dia da Azul. Quando chega aos aeroportos, o empresário cumprimenta todos os funcionários da empresa que encontra pelo caminho. As mulheres ganham até beijinho no rosto. A bordo dos aviões, repete a rotina de conversar com os passageiros. Perguntado sobre o futuro da Azul, costuma dizer que tem duas metas. A primeira é que todos os funcionários da companhia aérea digam que têm o melhor emprego das suas vidas. A segunda é que todo mundo desça do avião e diga que o voo foi ótimo. “Não existe a segunda coisa sem a primeira”, disse Neeleman.

ig

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