O bilionário e excêntrico empresário britânico revela com exclusividade à DINHEIRO seus planos para trazer a companhia aérea Virgin ao País e diz que pretende investir também em energia renovável e telefonia celular
Por Rosenildo Gomes Ferreira, enviado especial a Manaus
Confira entrevista com o editor-assistente de Negócios da DINHEIRO, Rosenildo Gomes Ferreira
Os empresários europeus, em geral, e os britânicos, em particular, cultuam a discrição. Como muitos deles são oriundos de famílias aristocráticas, não é fácil encontrá-los em badalações. A não ser que se trate de um chá ou jantar beneficente em prol de alguma causa social ou ambiental.
O inglês sir Richard Branson, dono do grupo Virgin que possui uma fortuna de US$ 4,2 bilhões, é uma rara exceção nesse grupo. Admirado por jovens de várias partes do mundo, Branson tem jeitão de popstar. Sua rotina diária é marcada por estripulias e jogadas de marketing nas quais é o protagonista.
"Sou um sujeito que gosta de desafios e de sonhar alto"
Sir Richard Branson, fundador do grupo Virgin
A lista é longa. Inclui desde um banho de mar com a equipe de comissárias de uma de suas empresas aéreas até fantasiar-se de “lata de refrigerante”, usar um vestido de noiva e, pasmem, correr pelado na praia. Foi graças ao seu excepcional faro para negócios e o inegável talento para a autopromoção que ele conseguiu, ao longo dos últimos 41 anos, construir um império.
São 330 empresas, cuja receita total soma cerca de US$ 20 bilhões por ano. Hoje, os tentáculos do grupo estão espalhados por segmentos tão díspares como fitness, bebidas, vestuário, cartão de crédito, turismo, entretenimento, viagem espacial, telefonia e transporte aéreo. E é exatamente com esses dois últimos que ele pretende desembarcar por aqui.
O namoro de Branson com o Brasil é antigo. O flerte começou em 2007, quando seu amigo e dono da americana JetBlue, David Neeleman, o convidou para ser sócio da Azul Linhas Aéreas. Branson considerou o valor do investimento elevado e resolveu concentrar seus esforços na Virgin America, subsidiária americana de sua divisão aeronáutica.
Hoje, o empreendedor e aventureiro inglês demonstra uma ponta de arrependimento por ter deixado o Brasil de lado. Isso ficou claro na entrevista exclusiva concedida à DINHEIRO, na sexta-feira 25, após sua palestra no 2º Fórum Mundial de Sustentabilidade, realizado em Manaus.
“Reconheço que fomos um pouco lentos em relação ao Brasil”, disse. “Nesse período, Neeleman montou uma companhia de aviação doméstica e está fazendo um excelente trabalho. Eu tiro o chapéu para ele.” Isso significa que o grupo Virgin desistiu do Brasil? “De jeito nenhum. Meu interesse pelo País continua grande.”
O plano traçado por Branson para o setor aéreo inclui duas vertentes. A primeira tem como ponta de lança a Virgin Atlantic, o braço do grupo encarregado dos voos continentais. A ideia é pedir autorização à Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) para fazer voos regulares a partir de Londres.
Uma opção, de acordo com analistas, seria usar como base outra cidade do continente, aproveitando os acordos no âmbito da União Europeia. “Existem rotas alternativas, como a Frankfurt-São Paulo, que possuem um nível elevado de demanda e baixa oferta para os brasileiros”, diz o consultor Jorge Eduardo Leal Medeiros, engenheiro aeronáutico e professor da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo.
Até o final de 2012, uma aeronave exibindo o logotipo da Virgin cruzará o Atlântico em direção a São Paulo. Para cumprir essa rota, Branson pretende usar os jatos da família 787, que a americana Boeing está desenvolvendo. “São aeronaves que possuem uma relação custo-benefício melhor que os 747 que hoje integram nossa frota”, afirma Branson. “Só não começamos a operar ainda porque as entregas atrasaram.”
Por meio de uma nota, a direção mundial da Boeing confirmou à DINHEIRO que as aeronaves 787 começam a ser entregues aos clientes apenas no último trimestre de 2011. Disse também que esse modelo consome até 20% menos combustível que os similares.
O bilionário inglês desembarcará nos aeroportos brasileiros em um momento em que o setor de aviação vive seu período de maior efervescência. A ampliação da renda média da população, a liberalização das tarifas e a entrada de novos competidores (leia-se Azul, Webjet e Avianca), fizeram baixar as tarifas.
Com isso, um número maior de brasileiros conseguiu trocar o ônibus pelo avião, em trajetos de média e longa distância. Pelas contas de David Neeleman, da Azul, o segmento deve se manter nessa velocidade. “Hoje, são transportados cerca de 70 milhões de passageiros e existe potencial para mais que dobrar para 150 milhões por ano”, diz Neeleman.
Isso não significa dizer, porém, que Branson terá moleza quando tirar do papel o plano de montar a Virgin Brazil. Muito ao contrário. “A tendência é que as maiores fatias desse crescimento devam ser apropriadas por quem já atua no setor”, afirma Neeleman. E os movimentos recentes vistos no segmento indicam que os grandes do setor querem garantir o seu quinhão.
A TAM, que recentemente se associou à chilena LAN, se mostra uma das mais agressivas. Na quarta-feira 30, a direção da empresa anunciou a aquisição de 31% da paulista TRIP, especializada em voos regionais. Esse é o terceiro lance da TAM tendo como foco a classe média emergente.
Garoto-propaganda, Branson desfila a bordo de elefante, na Índia, veste-se de lata de refrigerante, no Japão, e canta com crianças em Hong Kong
Há duas semanas, ela assinou um acordo para a venda de passagens nos guichês da empresa rodoviária Pássaro Marron, em São José dos Campos (SP). A parceria será estendida a outras companhias, em diversos pontos do País. Com isso, a tam espera elevar, dos atuais 8% para 20%, até 2015, a participação da classe C em suas receitas.
Branson, no entanto, enxerga os países nos quais ingressa como uma opção de longo prazo. Além disso, o empreendedor não é do tipo que foge da briga. Quando lançou a Virgin Atlantic, sua intenção declarada era desafiar o monopólio, de fato, da British Airways, no Reino Unido.
A disputa entre as duas empresas extrapolou os limites do Aeroporto de Heathrow, em Londres. No início de março deste ano, foi parar em Bruxelas – sede da agência reguladora da União Europeia. Branson acusa a British de concorrência desleal. Nos EUA, o desembarque de Branson foi precedido por um feroz lobby contrário promovido pela gigante American Airlines.
O empresário não apenas conseguiu entrar nos EUA, como fez de tudo para azucrinar a companhia aérea americana. Quem dirige a Virgin America é o experiente executivo David Cush, recrutado nas hostes da arquirrival.
Pajelança: em sua primeira visita ao Brasil, Branson foi destaque no 2º Fórum Mundial de Sustentabilidade,
em Manaus. Na ocasião, anunciou a intenção de apostar no setor de biocombustíveis
Branson também montou uma de suas bases operacionais no aeroporto de Dallas-Forthworth – até então, o quartel-general nos EUA da rival, que dominava 85% do tráfego partindo da cidade texana. Na festa de inauguração, em dezembro de 2010, ele fez um discurso nada diplomático.“Agora os texanos têm a chance de escolher entre uma empresa que trata os passageiros como gado e a Virgin America, cujo objetivo é encantar vocês.”
O modelo de negócio da Virgin Atlantic, de fato, pode ser um diferencial importante na disputa por passageiros, inclusive no Brasil. É que Branson criou uma empresa que surpreende nos mínimos detalhes.
Desde o ambiente clean e menos claustrofóbico de seus aviões até um pacote de entretenimento com uma extensa lista de filmes e jogos, além de maior espaço entre as poltronas. Os passageiros também podem solicitar, a qualquer momento, guloseimas ou bebidas, sem pagar nada mais por isso.
Detalhe: as aeromoças parecem ter sido recrutadas em agências de modelos e estão sempre de alto astral. Trata-se de benefícios reconhecidos por respeitadas publicações, como a revista Condé Nast Traveler e o prestigiado guia Zagat, e até mesmo por concorrentes.
Convite recusado: em 2007, David Neeleman (foto) convidou Branson para ser seu sócio na Azul Linhas Aéreas
. Hoje, o dono da Virgin Atlantic lamenta não ter aceito a proposta do amigo
“A marca Virgin é forte e a empresa oferece um produto diferenciado”, diz Neeleman. Como além de faro para negócio é preciso ainda uma certa dose de sorte, Branson deverá ser o primeiro favorecido com a mudança na legislação brasileira do setor aéreo.
Tramitam, no Congresso Nacional, diversos projetos de lei e até mesmo uma medida provisória prevendo o aumento da participação de estrangeiros em empresas do setor aéreo, que passaria de 20% para 49%. Branson, que não gosta de ser coadjuvante, poderá repetir a experiência americana e se unir a um grupo de investidores locais.
Mais que ganhar dinheiro, o que mantém em um nível elevado a adrenalina de Branson e também alimenta sua veia empreendedora é o constante desejo de superar limites. “Sou um sujeito que gosta de desafios e de sonhar alto”, diz. Isso fica evidente quando se analisa, também, como ele preenche suas horas de lazer.
Por quase cinco anos, Branson disputou com o financista americano Steve Fosset quem conseguiria ser o pioneiro na volta ao mundo a bordo de um balão. Perdeu a parada após diversas tentativas fracassadas, que culminaram em pousos no mar.
Apesar disso, essa experiência lhe garantiu contatos com uma série de cientistas que o ajudaram a colocar de pé outro ambicioso projeto: as viagens espaciais. O lançamento se dará no período janeiro-junho de 2012. A passagem deverá custar cerca de US$ 200 mil.
Valor elevado para a maioria dos mortais, contudo uma ninharia quando comparado aos US$ 20 milhões desembolsados em 2001 pelo milionário americano Dennis Tito – o primeiro civil a ir ao espaço a bordo de uma espaçonave russa. A lista de espera para embarcar na nave SpaceShip2 inclui celebridades mundiais e esportistas, como o piloto Rubens Barrichello. Para viabilizar o projeto, ele vai combinar o transporte de turistas com o lançamento de satélites para empresas e governos.
A participação do Brasil no portfólio de Branson, entretanto, não deve parar por aí. No talk show realizado após sua palestra, no 2º Fórum Mundial de Sustentabilidade, mostrou-se impressionado com o gigantismo da Amazônia e contou ter sido sondado por diversos empresários interessados em fazer negócios com ele.
Um paparico mais que justificado, pois Branson é o tipo de sujeito que abre portas mundo afora. Afinal, Branson convive com integrantes da realeza britânica, xeques árabes e financistas de grosso calibre. De concreto, contudo, segundo revelou à DINHEIRO, seus esforços, além da aviação, serão dirigidos para os segmentos de combustíveis renováveis e de telecomunicações. “Parece-me que o governo brasileiro está disposto a ampliar a competição no setor”, disse. “E essa é uma área que nos interessa bastante.”
A análise do controlador do grupo Virgin leva em conta a aprovação, em 2010, da resolução que permite a criação de operadoras virtuais de telefonia, também conhecidas pela sigla MVNO. O sistema funciona como uma via rápida para quem pretende atuar na área. Em vez de comprar uma licença e investir em infraestrutura, basta alugar espaço nas redes das operadoras existentes.
É exatamente nesse filão, que conta com 100 milhões de usuários na Europa, nos Estados Unidos e na Ásia, que Branson pretende posicionar a Virgin Mobile no Brasil. A estimativa é de que exista uma demanda de quase 10 milhões de usuários, o que representaria uma receita anual de R$ 1,8 bilhão, a partir de 2015. A seguradora Porto Seguro saiu na frente. Redes de supermercados, como o Pão de Açúcar e o Carrefour, que investe nesse ramo na Europa, já manifestaram interesse em seguir a mesma trilha.
Apesar do expressivo crescimento no número de usuários, os analistas estimam que o setor de telefonia brasileiro está longe da saturação. “A oferta de serviços sofisticados, como banda larga e jogos, por exemplo, ainda é pequena”, diz o consultor José Roberto Mavignier, gerente de pesquisa de mercado para a América Latina da Frost&Sullivan.
“Mas para ser bem-sucedido é preciso avançar para além do serviço básico de voz, criando pacotes nos quais o usuário perceba que existe valor.” Essa, aliás, é a expertise da Virgin Media – marca de telefonia usada por Branson na Europa que comercializa serviços de telefonia celular, fixa, internet e tevê.
“Além de atuar com preços competitivos, o principal apelo dessa companhia é o fato de possuir uma marca forte e reconhecida pela qualidade no conteúdo e no pacote tecnológico”, diz Saverio Romeo, analista sênior da área de comunicação móvel da Frost&Sullivan Europe.
No Brasil, contudo, todo esse arsenal pode não ser suficiente. Hoje, a principal dificuldade é a estrutura de custos do setor. Da tarifa paga pelo usuário, cerca de 40% são impostos. A reduzida renda média da população, em comparação com a Europa, também funciona como trava natural ao crescimento de serviços mais sofisticados.
Vencer barreiras e reinventar setores tornaram-se os principais diferenciais da trajetória de Branson. O nome Virgin, aliás, foi escolhido porque ele desejava reinventar (revirginar), por meio de um modelo de negócio diferenciado e inovador, setores maduros e nos quais a competição era reduzida. Foi o que ele fez no segmento fonográfico, com a Virgin Records.
A megastore aberta em 1972, na sofisticada Oxford Street, região central de Londres, se tornou ponto turístico e nome de gravadora. Em seu cast figuraram ícones pop como Sex Pistols, Rolling Stones e Simple Minds. Em 1992, ele repassou o negócio para a gigante Thorn EMI e embolsou US$ 1 bilhão. Branson começou cedo. Aos 16 anos criou uma revista dirigida ao público estudantil. Em vez de seguir para a faculdade, decidiu interromper os estudos e fundou uma empresa de venda de discos pelo correio. O resto é história.
“Se houver petróleo na Amazônia, não é justo deixá-lo intocável ”
O empresário e dono do conglomerado Virgin, Richard Branson, foi uma das estrelas do 2º Fórum Mundial de Sustentabilidade, ocorrido em Manaus. Após sua apresentação no encontro, concedeu a seguinte entrevista à DINHEIRO:
Faz tempo que sua empresa aérea, a Virgin Atlantic, anunciou a intenção de voar para o Brasil. Agora o sr. fala em tirar esse projeto do papel até o final de 2012. Na sua opinião, ainda existe espaço para a Virgin no Brasil?
Reconheço que fomos um pouco lentos em relação ao Brasil. Nesse período, David Neeleman (dono da Azul e da JetBlue) montou uma companhia doméstica no Brasil. Algo que também pensávamos em fazer. Ele possui uma vantagem comparativa pelo fato de ter a cidadania brasileira. Mas o fato é que foi mais rápido que nós e tenho de tirar o chapéu para ele. Uma coisa está certa: a Virgin Atlantic terá rotas para o Brasil nos próximos meses.
O fato de um de seus grandes concorrentes nos Estados Unidos ter chegado primeiro inviabilizou sua pretensão de atuar em voos domésticos no Brasil?
Não. Ainda pensamos em seguir essa trilha. Para isso, porém, precisamos bolar um jeito de montar uma companhia melhor que a criada por Neeleman.
Além da aviação, que outros segmentos empresariais poderiam lhe interessar?
Penso que existem diversas oportunidades no Brasil. Uma delas é no setor de telecomunicações. Creio que ainda há muito espaço para competição nessa área, algo que o governo, pelo que me consta, estaria incentivando. Nossos executivos têm feito diversas reuniões para avaliar a possibilidade de montarmos uma operadora virtual no Brasil, no formato MVNO (que aluga a estrutura das concorrentes).
O sr. comanda um conglomerado composto por 330 empresas cujos tentáculos se espalham por diversos setores. Desde academias de ginástica até telefonia celular, passando por viagens espaciais. Ainda na área de serviços, quais os outros segmentos que o sr. considera promissores no Brasil?
O segmento turístico no Brasil é fantástico e, como temos negócios nessa área, também poderia ser uma opção de investimento a ser considerada.
Durante sua palestra no 2º Fórum Internacional de Sustentabilidade, o sr. falou muito sobre biocombustíveis, uma área na qual o Brasil vem avançando bastante. Esse setor estaria em seu cardápio de opções para o Brasil?
Por meio de parcerias com empresas de biotecnologia, o grupo Virgin desenvolveu um combustível chamado isobutanol, usado na aviação e derivado de etanol. Trata-se de um componente no qual o Brasil tem uma grande tradição. Creio que a melhor opção seria fazermos acordos operacionais com usinas locais para que elas produzissem esse combustível localmente para nós.
Isso, então, exclui eventuais aquisições de usinas?
Meu objetivo não é controlar o negócio, mas me associar às empresas locais.
Muito se fala do potencial da economia brasileira. O sr. acredita que o Brasil poderá liderar uma nova geração de países cujo crescimento se dará em bases sustentáveis?
Isso depende de sua definição para a palavra sustentabilidade. É inegável que o Brasil pode se tornar uma grande economia global e ao mesmo tempo se orgulhar de sua política preservacionista. Especialmente no que se refere à proteção da floresta tropical. No entanto, temos de ser pragmáticos. Se, por um acaso, for descoberto petróleo na Amazônia, não considero justo que o mundo diga ao Brasil para deixar o óleo intocado. O que devemos esperar é que o governo tenha certeza de que a exploração seria feita de forma sustentável. O que não parece correto, porém, é devastar a floresta apenas para criar gado. Os recursos gerados com essa atividade são inferiores ao montante que poderá ser obtido, no longo prazo, com a preservação da floresta. É preciso que haja um equilíbrio.
O sr. é conhecido por suas aventuras, que incluíram a tentativa de dar a volta ao mundo a bordo de um balão. Há pouco, o sr. anunciou que fará viagens espaciais por um custo semelhante ao de percorrer o trecho São Paulo-Londres. Como o sr. fará para tornar essa operação rentável?
Sou um sujeito que gosta de desafios e de sonhar alto. E é exatamente no processo de transformar sonhos em realidade que eu acabo sendo surpreendido com detalhes que, até então, não havia percebido. Quando estávamos estudando uma forma de realizar viagens espaciais de uma maneira sustentável, do ponto de vista ambiental, e competitiva, em relação ao custo final, minha equipe descobriu que poderíamos usar a espaçonave para colocar satélites em órbita. Quando nos propomos a desenvolver projetos, coisas inesperadas e positivas sempre surgem pelo caminho.
(Rosenildo Gomes Ferreira)
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