A divulgação na França, nesta quinta-feira, do relatório técnico final sobre as causas da queda do voo AF447 em 2009 faz muitos familiares de vítimas reviverem os primeiros instantes do acidente.
A tragédia mudou profundamente o cotidiano das famílias das 228 vítimas do acidente. Entre problemas de saúde, afastamento do trabalho e sentimento de perda "irreparável", elas enfrentam a dor causada pela morte brutal dos parentes.
"É muito difícil viver isso, mesmo três anos depois", diz ela, que afirma ter conseguido "tomar forças e aprender a viver" desde então.
Mesmo assim, Corinne diz ter se tornado uma pessoa "frágil", que não faz mais esforços físicos, perdeu peso e passou a ter problemas de saúde e crises de angústia.
Ela diz que é difícil ver crianças na rua ou ouvir amigos falando sobre seus netos. "Eu me projeto na situação e penso que nunca serei avó".
Casal
O marido de sua filha Caroline, Sébastien Védovati, era comissário de bordo no voo AF447. Ele havia convidado a esposa para acompanhá-lo em seu trabalho e passar um fim de semana no Rio de Janeiro.O casal havia se conhecido durante um voo em que ele trabalhava, em 2003. Se casaram em 2007.
Quando a fuselagem do avião e corpos das vítimas foram localizados no fundo do oceano, em abril de 2011, Corinne havia preferido inicialmente que o casal não fosse resgatado. Ela temia que eles pudessem ficar separados caso apenas um fosse encontrado.
Depois, ela mudou de ideia. Mas foi o que ocorreu: apenas o corpo do marido de Caroline foi resgatado. "Eu evito pensar o que aconteceu com minha filha", diz ela.
Corinne, que é esposa do presidente da associação francesa de familiares das vítimas, afirma ver com certo "distanciamento" a divulgação nesta quinta-feira do relatório do Escritório de Investigações e Análises (BEA, na sigla em francês).
"Eles darão a mesma versão, já dada em relatório preliminar, de que foi erro dos pilotos. É uma conclusão que não é uma conclusão", diz ela.
Verdade
Maria Eva Marinho, esposa do presidente da associação brasileira de familiares das vítimas AFVV447, Nelson Marinho, que perdeu seu filho Nelson, de 40 anos, afirma "ter se acostumado com a dor"."Ele morava comigo e tudo me lembra meu filho: uma comida, uma planta, um perfume, tudo", diz ela, que teve de mudar a rotina de compras da casa e passou a ter dificuldades para cozinhar pratos que o filho apreciava.
Ela afirma ter abolido maçãs de sua casa, porque era a fruta que o filho mais gostava.
"Esse acidente mudou totalmente a vida das pessoas", afirma. Segundo ela, cada gesto do dia a dia se tornou diferente após a tragédia.
"Só vou ter paz no dia que não fizer mais parte dessa vida. Cada dia que se passa eu digo: amanheceu e meu filho não está mais aqui", diz ela.
Maria Eva espera que o relatório do BEA "traga a verdade" sobre as causas do acidente.
Para Laís Seba, de 60 anos, também "vai ser eternamente muito difícil" superar a dor da perda de sua filha única, a psicóloga Luciana Clarkson Seba, de 31 anos.
Após a catástrofe, ela teve câncer e sofreu uma mastectomia. O pai de Luciana, o médico Oswaldo Seba, parou de trabalhar.
"Estamos sobrevivendo", diz. Ela e o marido, afirma, "vivem um dia de cada vez, com muita dor e saudade".
Luciana, que trabalhava na Santa Casa de Misericórdia no Rio, havia viajado com o marido e os sogros.
Luciana e sua sogra não foram resgatadas na fase de buscas no ano passado, somente o marido e o sogro foram localizados logo após o acidente, em 2009.
"Não tenho mais esperanças de resgates e nunca poderei velar o corpo de minha filha", diz Laís, que também lamenta o fato de que não terá descendentes.
As operações de buscas foram definitivamente encerradas no ano passado.
Setenta e quatro corpos, segundo as autoridades francesas, não puderam ser retirados dos quase 4 mil metros de profundidade no oceano.
UOL
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