Os problemas recentes da TAM – que fizeram com que a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) proibisse a companhia de vender passagens por alguns dias – vêm se somar à lamentável situação do setor aéreo no país: infraestrutura aeroportuária escassa, aeronaves e tripulações no limite, falta de planos de contingência, etc. Somente neste ano, Gol e Webjet causaram transtornos semelhantes a seus clientes. A solução definitiva dos problemas passa por medidas de médio e longo prazo. Contudo, especialistas ouvidos pelo site de VEJA avaliam que o governo já poderia ter tomado medidas de curto prazo para, ao menos, mitigar o caos.
Mudança de regulação para permitir tripulação estrangeira – A questão regulatória é crucial e afeta todos os espectros da discussão. A legislação aeronáutica brasileira remonta ao período militar. Apesar de a Anac ter sido criada em 2006, os códigos que a regem não são atuais. A agência realizou em 2010 diversas audiências públicas para alterar pontos específicos da legislação, mas é preciso ir além. Na avaliação de Alexandre de Barros, ex-diretor do órgão regulador e professor da Universidade de Calgary, no Canadá, é preciso haver uma flexibilização das leis para, por exemplo, permitir a contratação de profissionais estrangeiros que poderiam ajudar a suprir a demanda existente no país. Atualmente, só é permitido contratar tripulação nacional. “O Brasil precisa competir com outros mercados. Só assim as remunerações irão se ajustar a patamares internacionais”, afirma Barros.
Nos três casos de transtornos em companhias aéreas ocorridos em 2010, a principal razão foi justamente a falta de pilotos, co-pilotos e comissários de bordo. A formação de pilotos é muito cara, exigindo elevado investimento pessoal e, posteriormente, da própria empresa. Pilotos brasileiros muitas vezes preferem seguir carreira no exterior – onde os salários são mais atraentes. Quando não possuem requisitos suficientes para pleitear uma carreira internacional, sujeitam-se a uma remuneração que dificilmente cobre seus gastos com formação. Um piloto de avião comercial precisa investir cerca de 400 mil reais em horas de vôo para conseguir ter 200 horas requeridas pela carreira.
Continuidade da abertura de mercado – Tal mudança regulatória estaria alinhada com o viés de abertura que vem sendo adotado pela Anac – ainda que a mudança seja gradativa. A celebração de acordos bilaterais, a expansão das rotas internacionais e a liberdade tarifária são pontos positivos que denotam essa pré-disposição da agência.
No entanto, os especialistas alertam que é preciso tomar medidas mais urgentes; até mesmo porque, se melhoras não forem conduzidas a tempo, os benefícios trazidos pela própria abertura poderão ser anulados. “Em tese, a abertura de mercado deveria representar maior competitividade e opções aos usuários. No entanto, abertura sem infraestrutura pode representar simplesmente o agravamento da situação”, afirma Adolpho de Carvalho, sócio do escritório de advocacia Pinheiro Neto e especialista em setor aéreo.
Criação de iInfraestrutura temporária – A criação de terminais temporários, segundo Alexandre de Barros, seria outra alternativa de fácil execução. Em março de 2010, a Infraero divulgou que pretendia criar um total de sete estruturas deste tipo, sendo três em Cumbica (Guarulhos) e as demais em Brasília, Rio de Janeiro, Campinas e Macapá. São edificações pré-moldadas e de baixo custo (a um preço aproximado de 2,5 mil reais por metro quadrado), que poderiam ser utilizadas enquanto os terminais definitivos não ficassem prontos. Hoje, oito meses depois, nenhuma das sete obras foi concretizada.
Maior firmeza da Anac – Uma postura mais rígida da Anac em relação às companhias aéreas também poderia acelerar o processo. A cobrança de multas ainda mais altas por atrasos de vôo injustificados e outros transtornos, como os que ocorreram nesta semana, poderia ajudar a coibir situações extremas. No entanto, a própria diretora da agência, Solange Paiva Vieira, reconheceu, no início do ano, que metade das multas aplicadas às aéreas não são pagas devido à falta de documentação na investigação.
As mudanças de critérios de aprovação de vôos também poderiam servir como ferramenta para a melhora dos serviços das companhias – pois poderiam comprometer, de imediato, as receitas provenientes das vendas das passagens. “Em uma canetada a Anac resolveria isso. Quando os resultados das empresas são ameaçados por penalidades, elas solucionam o problema rapidamente”, afirma Mauro Mello, sócio da consultoria de gestão Table Partners.
Contribuição da iniciativa privada – No médio prazo, a alternativa de licitar a construção de aeroportos para a iniciativa privada é avaliada de forma positiva. O primeiro que foi aberto à concessão fica em São Gonçalo do Amarante (RN) e é uma espécie de teste de viabilidade deste modelo por parte da Anac. Outra opção é permitir a exploração comercial de aeródromos (aeroportos pequenos e privados) – atividade que é proibida por lei atualmente. “Dada a necessidade de investimento no setor, em conjunto com a velocidade necessária de tal investimento, trabalhar a possibilidade de exploração privada deve estar na pauta”, afirma Adolpho de Carvalho, do Pinheiro Neto.
Tais medidas poderiam ser aceleradas caso houvesse um esforço político em efetuar mudanças. Desta forma, vale resgatar o exemplo do ex-ministro das Comunicações do governo FHC, Sérgio Mota, que privatizou o sucateado setor de telecomunicações (a extinta Telebrás). Em embate direto com a oposição e a própria opinião pública, Mota conseguiu aprovar o projeto que permitiu a abertura do mercado brasileiro. “O setor aéreo é hoje o que o setor de telecomunicações era antes de FHC”, afirma Mauro Mello, da Table Partners. Mesmo com todas as imperfeições comuns ao setor privado, é inegável sua importância na modernização do país. “Apenas precisamos de alguém que compre essa briga”, argumenta Mello. Diante da intenção de Dilma Rousseff em criar uma pasta para o setor, talvez o “ministro do caos aéreo” venha mesmo a existir.
veja.com
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