Queda de 35% no preço dos aviões usados e desvalorização cambial resultam no melhor ano dessa indústria no País.
O que o advogado Cássio Telles, de Pato Branco, cidade de 70 mil habitantes no interior do Paraná, tem em comum com os empresários Michael Klein, dono da Casas Bahia, Eike Batista, do grupo EBX, e Luiza Helena Trajano, do Magazine Luiza? Um avião particular a sua disposição. A frota de empresas e pessoas físicas no Brasil aumentou em 652 novas aeronaves no ano passado, o dobro do registrado em 2008, de acordo com dados da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac). Ao todo, o País conta hoje com 7.837 aeronaves particulares.Telles é apaixonado por aviação desde criança. Em vez de brincar de carrinho, ele gostava de miniaturas de avião. O sonho de pilotar se tornou realidade no ano 2000, quando tirou o brevê. Dois anos depois, o advogado comprou o seu primeiro avião. De lá para cá, trocou de modelo duas vezes e hoje é dono de um monomotor RV-7, da fabricante americana Van’s.
Se não tivesse seu monomotor, Telles não poderia viajar apenas de avião. A cidade onde vive tem aeroporto, mas não recebe voos comerciais. Apesar de usar seu avião principalmente como hobby, o advogado viaja a trabalho ao menos uma vez por mês com o avião. Pelo ar, ele economiza quase quatro horas para chegar até a capital Curitiba, por exemplo. “Se o clima colaborar, vou de avião sempre”, afirma Telles.
Agilidade e flexibilidade nas viagens a trabalho são as principais razões para empresas e pessoas físicas comprarem uma aeronave, de acordo com revendedores consultados pelo iG. A maioria dos proprietários costuma fazer viagens constantes até cidades onde não há rotas diárias. O custo-benefício de não enfrentar a espera por check-in e a fila de embarque nos aeroportos também entra na conta. “Eles precisam chegar e sair rápido de lugares em que nem sempre há voos regulares”, afirma Leonardo Fiuza, diretor comercial da TAM Aviação Executiva. Hoje, as companhias aéreas voam para cerca de 130 cidades, mas há cerca de 3.000 pistas homologadas para pousos e decolagens.
“Existem cidades que recebem um voo por dia, uma vez por semana. Quem faz uma reunião e precisa esperar até o dia seguinte para voltar tem muitas horas improdutivas. O tomador de decisões não dispõe desse tempo para ficar ocioso em uma conexão desnecessária”, diz Francisco Lyra, presidente da Associação Brasileira de Aviação Geral (Abag).
Os aviões particulares também ganham força entre as companhias que atuam em diversas cidades ao longo do território brasileiro, como varejistas e bancos. Com mais de 500 lojas espalhadas em dez Estados do País, a Casas Bahia foi uma das empresas que investiu em frota própria. A empresa tem dois hangares no aeroporto Campo de Marte, em São Paulo, com pelo menos três aviões – entre eles um jato executivo Challenger 605 -, além de três helicópteros.
A lista de companhias que contam com aeronaves particulares é extensa. Segundo revendedores consultados pelo iG, empresas como Pernambucanas, Riachuelo, AmBev, Marfrig, Friboi, Petrobras, Brasil Foods, Odebrecht, Vale, Camargo Corrêa, Bradesco e Itaú contam com as facilidades de jatos e helicópteros como meio de transporte para seus executivos.
Para Cássio Polli, diretor da Aerie Aviação Executiva, cerca de 95% das aeronaves particulares compradas hoje no Brasil têm como foco o uso para negócios. Seu mais novo cliente fechou a compra de um jato Hawker 850 XP, que tem capacidade de transportar até nove passageiros, por US$ 8 milhões. “Ele tem uma rede de 400 lojas no Brasil e chega a visitar seis cidades em um único dia. Com esse jato, ele poderá sair do Nordeste e ir até Porto Alegre, Rio Branco e Boa Vista sem fazer escalas”, diz Polli, que prefere manter em sigilo o nome do comprador.
Frota particular é maior do que a das companhias aéreas
Os números mostram que o crescimento da aviação executiva no País é uma realidade. Entre 2008 e 2010, os novos registros de aeronaves TPP – prefixo usado para os modelos de uso privado (que vão de helicópteros a jatos) – cresceram 76%, segundo dados da Agência Anac. Entre 2009 e 2010, a expansão foi um pouco menor, mas ainda impõe respeito: de 50%.
Somente no ano passado, 652 aeronaves foram registradas para uso privado no País. O número de 2010 já supera o total de aeronaves das tradicionais companhias aéreas brasileiras, cuja frota é de 619 aviões, segundo a Anac.
As perspectivas para o mercado brasileiro no médio prazo também são otimistas. Segundo representantes do setor, a indústria mundial de aeronaves deve produzir cerca de 11 mil aviões nos próximos 10 anos, sendo que 4% da demanda mundial deve ser concentrada no Brasil.
Quando consideradas as aeronaves das companhias de táxi aéreo e fretadas, o crescimento da aviação executiva é ainda maior: em 2010, foram 75 novos aviões registrados, com frota total de 1534 aeronaves. “Se fossemos uma companhia aérea, seríamos a maior do Brasil”, diz Lyra, da Abag.
Para este ano, as revendedoras estão otimistas. A Aerie Aviação Executiva espera fechar a venda de 15 aviões em 2011, crescimento de praticamente 100% com relação ao ano passado. Caso o número se confirme, será o melhor ano em volume de vendas para a companhia, superando o patamar de 14 aeronaves alcançado em 2008.
“O mercado retomou o crescimento no fim do ano para cá, no período pós-eleição”, explica Polli. Ele diz que a demanda por novas aeronaves estava represada pela crise mundial – estourada, nos Estados Unidos, em setembro de 2008 - e pelas indefinições com relação às eleições. “Muitos empresários seguraram a intenção de compra nesse período”, afirma.
Importação de modelos usados
A compra de aeronaves por brasileiros ficou mais fácil nos últimos anos pela desvalorização do dólar, moeda que baliza os contratos, e por reflexos da crise econômica internacional. Em uma pesquisa no site de classificados FlightMarket é possível encontrar 90 modelos anunciados, com preços entre R$ 105 mil e R$ 8,1 milhões.
Os modelos usados ganharam relevância no setor brasileiro. Muitas empresas estrangeiras tiveram que se desfazer de ativos para enfrentar a crise e passaram a oferecer aviões seminovos por preços competitivos.
O percentual de aeronaves usadas vendidas na TAM Aviação Executiva, por exemplo, pulou de 15% para 40% nesse período, segundo Fiuza. A companhia vende, em média, 70 unidades de aviões e helicópteros por ano. O deságio de um modelo com um ano de uso chega a 35% atualmente, o triplo do desconto oferecido por um avião com a mesma idade antes da crise econômica.
A chegada das aeronaves usadas ao Brasil aquece os serviços de manutenção. Enquanto as áreas de vendas e fretamentos de aviões da Algar Aviation sofreram quedas nas vendas com a crise, a unidade de manutenção continuou a crescer. “Ninguém voa em uma aeronave usada sem antes fazer uma revisão. E a cada 150 horas de voos precisa fazer uma manutenção”, Rogério Montalvão, diretor-presidente da holding Algar.
Uma alternativa
Para os empresários que não dispõem de recursos para comprar uma aeronave – ou não consideram a compra vantajosa no plano de negócios -, o mercado oferece outras opções à aviação comercial: os voos fretados.
O perfil do cliente do fretado é o mesmo dos compradores de aviões: empresas que querem comodidade e agilidade nas viagens de seus executivos. “A diferença é que essas companhias, em geral, não estão dispostas a imobilizar recursos para comprar um avião”, afirma Montalvão.
Os preços dos fretamentos foram favorecidos pela queda do dólar e do barril de petróleo no ano passado. O custo para fretar um jato é de cerca de R$ 15 por quilômetro. Assim, o trecho de Uberlândia para Belo Horizonte, por exemplo, sai por R$ 16 mil. Com o aquecimento a economia brasileira, a Algar Aviation espera uma elevação de 20% nos fretamentos e uma estabilidade nos preços, exceto se a cotação do barril de petróleo disparar. “Aí os preços vão subir em todo o mercado”, diz Montalvão.
ig
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