O modelo para a concessão de aeroportos à iniciativa privada, que será concluído pela Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) até o fim de julho, deverá prever a vitória nas futuras licitações para quem oferecer ao governo o pagamento do maior valor de outorga. A duração dos contratos deverá variar conforme o aeroporto leiloado. Já as tarifas cobradas dos passageiros e das companhias aéreas terão de respeitar um teto fixado pelo governo, poderão cair a qualquer momento por decisão do concessionário, mas dificilmente serão usadas como critério nas concorrências.
Trata-se de uma mudança em relação ao critério usado em quase todos os leilões de concessão do governo Lula -de rodovias e hidrelétricas- , em que as disputas são vencidas por quem apresenta menor tarifa. O critério de maior valor de outorga para definir licitações de infraestrutura era adotado predominantemente no governo Fernando Henrique Cardoso.
As tarifas aeroportuárias - como a de embarque, paga pelos passageiros, e de pouso e permanência, cobradas das empresas aéreas - deverão ter um limite estabelecido nos contratos de concessão. A tendência é que as tarifas máximas sejam fixadas no mesmo valor do cobrado pela Infraero no momento do leilão.
De acordo com Marcelo Guaranys, diretor da Anac, o modelo em estudo prevê que o futuro concessionário possa baixar livremente o valor das tarifas ao longo do contrato. Só que isso não deverá ser usado como critério de definição dos vencedores das licitações e provavelmente sequer constará das propostas dos participantes.
Dessa forma, um aeroporto operado pelo setor privado poderá fazer uma ofensiva para atrair voos internacionais, por exemplo, com tarifas mais baixas e prováveis reflexos positivos para os passageiros. "A ideia é estimular a competição entre os aeroportos", afirma Guaranys. Hoje, a Infraero divide seus aeroportos em quatro categorias. No Galeão, que está na primeira categoria, a taxa de embarque vale R$ 19,62 para voos domésticos e US$ 36 para voos internacionais. Em Viracopos (Campinas), na segunda categoria, os valores tabelados pela estatal caem para R$ 15,42 e US$ 30, respectivamente. Os dois aeroportos deverão ser os primeiros a ir a leilão.
Outra provável novidade é a introdução de prazos variáveis na vigência dos contratos de concessão. Até agora, em outros setores de infraestrutura, a duração tem sido uniformizada: 25 anos para rodovias e 35 anos para hidrelétricas - sempre com a possibilidade de renovação. Guaranys diz que o melhor caminho é estabelecer o prazo das concessões caso a caso. "Estamos pensando em trabalhar com os prazos necessários para amortizar os investimentos", explica.
Por enquanto, Guaranys esclarece que tudo isso são ideias amadurecidas na agência, e não uma versão definitiva do desenho final do marco regulatório para as concessões aeroportuárias. Formalmente, a Anac aguarda as diretrizes que o Conselho Nacional de Aviação Civil (Conac) dará na próxima reunião, marcada para julho. Superintendentes e diretores da agência estão adiantando os estudos para poder apresentá-los ao governo até o fim do mês que vem.
O modelo deverá "imitar" uma fórmula inovadora adotada na terceira etapa de concessões de rodovias federais, em fase de audiências públicas. Em vez de estabelecer previamente o ano exato dos investimentos que o concessionário precisará fazer em ampliação da infraestrutura, os contratos exigiriam o cumprimento de padrões mínimos de qualidade, conforme critérios da Organização de Aviação Civil Internacional (Oaci), ligado à ONU. São indicadores como o tempo gasto pelos passageiros nos balcões de check-in, o conforto das salas de embarque e o número de operações (pousos e decolagens) permitido pela capacidade das pistas e terminais.
A vantagem é que isso não engessa o investimento, valoriza a eficiência e estimula ganhos de produtividade. Se a demanda cair abruptamente, por exemplo, obras de ampliação podem ser jogadas mais para frente. Se subir além das previsões, as obras seriam antecipadas. Em Viracopos, nos próximos anos, está prevista a construção da segunda pista e ampliação do terminal de passageiros, que hoje tem capacidade para 2 milhões de passageiros por ano - os terminais de Guarulhos, para comparar, abrigam 27 milhões.
Com isso, a Anac quer evitar riscos de desequilíbrio econômico-financeiro da concessão. "Nas rodovias, houve contratos que exigiram até oito revisões tarifárias em um período de apenas cinco anos", diz Guaranys, que conhece bem o assunto, pois veio da Secretaria de Acompanhamento Econômico (Seae) do Ministério da Fazenda e participou do grupo interministerial que revisou as regras do último grande leilão de estradas federais, quando a OHL arrematou cinco trechos com deságios de até 65% e pedágios pouco acima de R$ 1.
Uma das questões que tomam o tempo da Anac é a definição de como aeroportos deficitários serão sustentados sob gestão da Infraero. Para a estatal, só de 10 a 12 dos 67 aeroportos que administra são lucrativos, dependendo do critério. O valor da outorga paga pelo direito de exploração dos aeroportos deverá alimentar um novo fundo, um fundo existente ou mesmo o Tesouro diretamente para fornecer recursos aos terminais mantidos pela Infraero. Essa é uma definição considerada importante pela Anac, principalmente se o governo decidir por mais concessões de aeroportos no futuro.
Para permitir o "subsídio cruzado" entre aeroportos, Guaranys está convencido que a melhor forma de receber o pagamento da outorga é por meio de valor anual (espécie de arrendamento), e não de uma tacada só, no momento da licitação. Mas ressalta que é uma opinião pessoal, ainda não suficientemente discutida pela Anac.
Uma visão consensual na agência é permitir a entrada de investidores estrangeiros, sem restrição, nos leilões. A Aéroports de France, a alemã Fraport e a argentina Aeropuertos 2000 manifestaram publicamente interesse em participar. Companhias aéreas, entretanto, deverão ser vetadas. Isso contraria empresas como TAM e Azul, que já faziam planos para disputar a administração de aeroportos. A provável proibição se inspira em experiências internacionais, como a do Canadá, que fez contratos de arrendamento de parte das instalações no fim da década de 80.
A Air Canada, maior aérea do país, absorveu a maioria dos aeroportos e dos investimentos em infraestrutura. O resultado, segundo o órgão local de defesa da concorrência, foi o aumento das barreiras à entrada de novas empresas aéreas nos principais aeroportos e alta dos preços de bilhetes.
Fonte: Valor Econômico
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