Segundo as normas aeroportuárias, cada avião que pousa tem apenas três horas de isenção.
Ultrapassado esse tempo, a empresa aérea é obrigada a pagar um valor por hora ou fração que permanecer em solo. Em Brasília, por exemplo, três aviões da Vasp aguardam o martelo do leiloeiro para saírem do pátio do Aeroporto Internacional Juscelino Kubitschek Ao lado delas, algumas aeronaves da Transbrasil, outra empresa aérea falida, acumula dívida de R$ 310 milhões com a Infraero.
Para manter a estadia das aeronaves nos pátios dos aeroportos ao longo dos últimos anos, a Vasp acumulou uma dívida 75 vezes maior do que o valor de todos os aviões juntos. Esse débito é com a Infraero, estatal que administra o setor aeroportuário do País. Segundo a Infraero, a dívida da Vasp, hoje, inclui tarifas aeroportuárias de embarque, pouso, permanência, concessão de áreas, acesso ao pátio e outros serviços.
No entanto, quando as aeronaves forem efetivamente retiradas das áreas aeroportuárias, um novo valor será gerado para a dívida. “Não é possível calcular os valores fechados sem saber até quando as aeronaves permanecerão nos pátios. A cobrança de permanência é diária e é calculada de acordo com o peso da aeronave e com a categoria do aeroporto”, explica a assessoria da Infraero.
Toda a dívida da empresa se encontra arrolada em processos judiciais. Por este motivo, os credores concorrem para o recebimento, conforme a legislação. Segundo a nova lei de falências, recebem primeiro os credores extraconcursais - que atinge aqueles que colocaram ativos na empresa após o pedido de recuperação, além do administrador judicial e seus auxiliares. Existem créditos, portanto, que possuem mais prioridade do que os da Infraero, como é o caso dos trabalhistas e tributários, por exemplo.
Segundo o advogado Duque Estrada, que representa 550 ex-trabalhadores da Vasp em 870 ações individuais, o valor arrecadado nesse primeiro leilão não será suficiente para pagar todos os credores. “As aeronaves só servem para sucata ou museu e mais nada, pois além de terem mais de 30 anos, no estado em que se encontram, são irrecuperáveis”, afirma.
Cadeia falimentar
Já em 1990, a Vasp operava com prejuízo de US$ 30 milhões anuais e devia US$ 750 milhões. A situação agravou-se após a privatização, com a venda de 60% das ações do estado de São Paulo para o Grupo Canhedo. A empresa descontava dos salários dos funcionários as contribuições devidas à Previdência Social, mas não recolhia o dinheiro ao Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS), o que rendeu ao órgão o direito de penhora das aeronaves da empresa, antes mesmo da decretação falência.
Contudo, “o INSS só penhorou e nunca pediu uma adjudicação (ato judicial mediante o qual se transfere uma propriedade) ou leilão”, diz o advogado Duque Estrada. Ele explica que, no caso específico, se houve a adjudicação, ela ocorreu posteriormente ao pedido de recuperação judicial, em 2005, o que torna a penhora do INSS nula. “Num dos mais normais atos da burocracia do governo, ele inicia bem o seu dever de casa, mas perde por ineficiência”, lamenta Estrada.
Alexandre Lazzarini, juiz da 1ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais do Estado de São Paulo, alertou para a existência de diversas aeronaves espalhadas pelos aeroportos brasileiros, que, embora estivessem penhoradas em execução do INSS, o órgão “não providenciou que os aviões fossem levados a leilão, apesar da depreciação". Lazzarini diz não ter conhecimento quanto à situação processual das execuções promovidas pelo INSS. No entanto, esclarece as conseqüências da não execução: “com a decretação da falência todos os créditos, inclusive os de natureza fiscal, devem ser trazidos para o quadro de credores da falência, ficando, ainda, prejudicadas as penhoras”.
Quando sentenciou a falência da empresa aérea, Lazzarini ainda recomendou que a sentença fosse levada ao conhecimento do Ministério Público Federal, “para apuração de responsabilidade [...] pela não execução dos créditos do INSS, garantidos por aviões”. Questionado sobre os motivos que impediram a adjudicação ou leilão dos bens antes do pedido de recuperação judicial, o INSS informou que “desde a unificação das receitas este assunto não é mais da alçada da Previdência Social”.
A assessoria do instituto ainda afirmou que as dúvidas sobre execução de dívidas previdenciárias deveriam ser encaminhadas à Secretaria da Receita Federal, que não se manifestou até o fechamento da matéria. Igualmente sem resposta ficaram as indagações sobre o período em que as aeronaves da Vasp permaneceram sob a responsabilidade do INSS e quais os prejuízos ou vantagens, do ponto de vista do órgão público que perdeu a oportunidade de resgatar uma dívida, existiram nessa negociação com a empresa falida.
Segundo Gisela Chamoun, procuradora do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios, como o INSS não se sujeita ao processo de recuperação deveria ter procedido à venda dos aviões para pagamento total ou parcial de seu crédito. “Os processos de execução são relativamente rápidos e após a penhora os bens são levados à venda judicial e pagos ao credor” explica a procuradora, que também é professora da Universidade de Brasília, especialista em Lei de Falências.
A procuradora ainda lamenta o prejuízo de depreciação das aeronaves, o que, segundo ela, implica em menor valor aos bens e na redução no pagamento do crédito do INSS, que permanece no quadro de credores habilitados, com saldo a receber. “Isso, evidentemente, representa uma lesão ao direito dos demais credores”, afirma Chamoun. “No campo das conjecturas, se os bens não foram vendidos nas execuções por culpa (negligência, imprudência, imperícia) ou dolo de servidor do INSS, os prejuízos decorrentes podem lhes ser atribuídos, com base na Lei de Improbidade. O único motivo que conheço para que a administração pública deixe de cumprir um dever é ineficiência, burocracia, incompetência e corrupção”, destaca.
Fonte: Milton Júnior (Contas Abertas)
FONTE :AVIATION NEWS
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