As razões que levaram o Tupolev TU-154 polaco de fabrico soviético a despenhar-se na base aérea russa de Katyn continuam envoltas num denso nevoeiro. Tal como naquela manhã, onde uma sucessão de acontecimentos provocou a tragédia que tirou a vida ao Presidente polaco Lech Kaczynski e à sua mulher, bem como a outras 95 pessoas, entre as quais militares, políticos e deputados.
Um relatório preliminar divulgado no final da semana indica que os pilotos só se terão apercebido do desastre escassos segundos antes do embate. Desde logo, a Rússia descartou-se de responsabilidades, ao afirmar que o controlador aéreo russo terá sugerido ao comandante do avião que alternasse para outro aeroporto.
O que parece certo é que os "pilotos da aeronave terão descido abaixo dos mínimos de segurança [em altitude] para tentarem manter contacto visual com a pista", contou ao Expresso o Comandante Cruz dos Santos, vice-presidente da Associação dos Pilotos Portugueses de Linha Aérea (APPLA). Esta decisão poderá ter sido tomada porque o equipamento de navegação via rádio usado naquela base militar, e em vários aeroportos secundários russos, conhecido por NDB (Non-Directional Beacon), é bastante impreciso.
Hoje em dia, a ajuda por rádio à navegação na maior parte dos aeroportos internacionais faz-se através do ILS (Instrument Landing System), um sistema mais eficaz quando se verificam condições climatéricas adversas, como a falta de visibilidade provocada por nevoeiro cerrado, queda intensa de chuva ou de neve.
Pressões de variada ordem
A tese de que o avião terá dado várias voltas (três ou quatro, segundo os relatos) de reconhecimento, à pista, só pode ser explicada "pela pressão sobre a tripulação". "Em termos de aviação comercial é algo inaudito. Não se faz", sublinha Cruz dos Santos. O voo já estava atrasado, explica o vice-presidente da APPLA, o que pressupõe, à partida, uma maior pressão sobre os pilotos. "Resta saber se houve alguma pressão adicional do chefe de Estado ou de elementos da comitiva para que eles aterrassem naquele aeroporto".
Já o Comandante da TAP, João Moutinho, disse ao Expresso que este poderá ter sido um caso de "obstinação", embora admita a ocorrência de pressões externas. "Quando um piloto vai em missão de soberania, quando transporta altos dignitários, quer sejam ou não militares, está sujeito à pressão de que a missão seja coroada de sucesso. O facto de não dispor de uma ajuda rádio rigorosa, e as condições climatéricas que se verificavam no local, deviam ter levado o piloto a procurar um aeroporto alternativo".
"Presidente e primeiro-ministro de Portugal nunca viajaram juntos"
Pouco depois da notícia que dava conta do acidente com o Tupolev do governo polaco correr mundo, já muitos se questionavam como seria possível seguir a bordo do mesmo avião um número tão elevado de altas figuras de Estado. Um facto que levanta dúvidas em relação ao protocolo que determina as regras de transporte de chefes de Estado, muito diferentes de país para país.
Em Portugal, "nunca o Presidente da República e o primeiro-ministro viajaram juntos no mesmo avião. Nem virá, muito provavelmente, a acontecer, exactamente por razões de segurança", confirmou ao Expresso o embaixador José de Bouza Serrano, chefe do protocolo do Estado português. Também o Presidente dos Estados Unidos da América não está autorizado a efectuar deslocações aéreas com o vice-presidente do país ou com os secretários de Estado.
As regras de segurança aplicadas no transporte de passageiros são exactamente as mesmas, quer se trate de um primeiro-ministro ou de um mero cidadão. Nos voos que vão em missão de Estado, porém, o avião pode transportar mais combustível do que o que seria necessário para realizar um voo comercial se, por razões de agenda, tiverem de ser efectuadas alterações de última hora à rota inicialmente traçada. Existe também uma malha mais apertada na prevenção contra atentados e outros actos dolosos.
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