
Foi depois de uma palestra  apocalíptica sobre o futuro da aviação em Berlim que os Amaro decidiram  apressar as conversas com a LAN, que já duravam seis anos
         
                            Pergunte aos irmãos Mauricio e Maria Claudia Amaro como eles  se sentem após o fechamento do negócio entre a TAM, empresa que  herdaram do pai, e a chilena LAN e uma sequência de frases  grandiloquentes é despejada. "
Foi um privilégio fazer uma coisa que  acontece poucas vezes na vida de poucas pessoas", diz Maurício. "Estamos  falando de integrar a América do Sul", diz Maria Cláudia.
Uma semana  após a criação da gigante Latam - um negócio que parte do mercado  interpretou como venda e que a TAM chamou de "combinação" -, os dois  concederam entrevista exclusiva ao Estado em seu escritório em São Paulo.   
    Recente anúncio de fusão TAM/LAN desperta interesse de empresas estrangeiras
 TAM e LAN conversam sobre uma associação há seis anos. Por que agora deu certo?
 
 Mauricio: Houve conversas sérias, que esbarraram em momentos de vida  diferentes ou em diferentes expectativas de preço. Mas, nos últimos  anos, acompanhamos um movimento de consolidação muito forte do setor e  de liberalização do mercado brasileiro.
Esse é um negócio alavancado, as  empresas precisam de muito caixa para sobreviver. Para a maioria das  companhias do mundo, do ponto de vista financeiro, esse é um negócio que  não merece existir.
 São poucas as que remuneram o capital e a TAM,  historicamente, é uma delas. Mas começa a ter problemas por causa da  liberalização. Para se ter uma ideia, a Latam será ligeiramente inferior  à US Airways, que é uma empresa média americana, está na quinta posição  do ranking por número de passageiros. Mas nós vamos ficar pequenos para  competir com as empresas estrangeiras que querem entrar no Brasil. 
 Mas qual foi o gatilho?
 Mauricio: No início ano, estivemos em Berlim em um evento da Iata  (International Air Transport Association) e nos encontramos com a LAN. O  tema da conferência foi consolidação e foi anunciado que, até 2050,  haverá apenas de dez a 12 grupos no mundo. Nós nos deparamos com a  necessidade de resolver nossa vida. E aí fomos jantar com os Cueto para  conversar. 
 E como vocês chegaram a essa estrutura societária complexa?
 Mauricio: A primeira coisa foi fazer um acordo que respeitasse o  equilíbrio de poder entre as famílias. Depois, os advogados chegaram a  um modelo que respeitasse a lei. 
 Maria Claudia: Muito se falou do direito de veto aqui, mas também  temos poder de veto lá. O compartilhamento de poder é equânime. 
 Se Amaro e Cueto não chegarem a um consenso para votar, o que pode acontecer? 
 Mauricio: Eu acredito que teremos de buscar o consenso de alguma  maneira. O desempate forçado não é bom para ninguém. Mas, se tivermos de  buscá-lo, está prevista uma mediação.
 Quem seria esse mediador?
 Mauricio: Prefiro não dar nomes porque estamos construindo nosso  pacto de acionistas. Os Cueto virão para o Brasil em breve para  discutirmos isso.
 Mas seria um mediador, preferencialmente externo, para  que a gente possa arbitrar a questão antes de levar ao conselho. A  diferença entre a LAN e a TAM é que, apesar de a brasileira estar há  seis anos na Bolsa e ter mais de 50% do seu capital no mercado, os  sócios nunca se aglutinaram organizadamente para votar em nível de  conselho.
 Então a sensação é quase como se o controle absoluto fosse  nosso. Na LAN, os fundos de pensão são fortes, têm voz ativa no conselho  e na governança. Então os Cueto estão acostumados com uma dinâmica  societária. Não prevemos a possibilidade real de ter um grande impasse,  uma briga.
 Esses fundos podem votar juntos e se sobrepor aos Cueto e Amaro?
 Mauricio: Tradicionalmente, eles não votam juntos. Não acredito que  os fundos se organizarão para ter um voto que se sobreponha ao das  famílias, que terão 38% da Latam. Eles devem representar cerca de 20 a  30% do capital da LAN e serão diluídos com o tempo. O maior fundo da LAN  tem 8% e cairá para 5%. Você teria de ter cinco ou seis fundos juntos  para rivalizar. 
 Antes da LAN, vocês chegaram a negociar com a Gol?
 Maria Claudia: Não é verdade. No Brasil de hoje eu não vejo nem  espaço para que isso acontecesse. As melhores fusões são aquelas em que  não há muita sobreposição. É o caso de LAN e TAM. A gente se  complementa. Então imagina você fundir duas empresas que operam  praticamente nos mesmos lugares? O Brasil fala tanto do duopólio, como é  que nós íamos fazer um monopólio? 
 Mauricio: A economia de custo de uma fusão TAM e Gol seria a custo de  milhares de empregos. Isso não é aprovado nos dias de hoje.
 O presidente teria pedido uma empresa nacional...
 Maria Claudia: O presidente, em momento nenhum, falou isso. Ele teve  uma reação bastante positiva à notícia da Latam, que foi dada a ele após  o fechamento do negócio.
 Mas antes vocês devem ter sondado para ver se havia uma boa  receptividade no governo. É difícil fazer um negócio desse tamanho sem  ter um sinal, não?Maria Claudia: A gente pergunta um pouco. Não fala  direito o que é...
 A Gol está muito próxima da TAM em participação de mercado e as novas  companhias estão ganhando espaço. O cenário mais concorrido no Brasil  influenciou o negócio?
 Maria Claudia: O mercado brasileiro é provavelmente o mais cobiçado  do mundo por grandes empresas. Vamos ver coisas acontecendo aqui que  farão com que grandes companhias tentem entrar nos próximos anos. Hoje é  difícil? É, mas vai ficar ainda mais. Mas não é isso que faz você  correr para um negócio desse. 
Quais serão as suas tarefas na empresa agora?
 
 Mauricio: Desde dezembro eu parei de pilotar comercialmente. Agora  vou me dedicar muito à presidência do conselho da Latam, ao  relacionamento político-institucional nos países hispânicos onde a  empresa opera. Passarei uma parte do meu tempo no Chile. Vou procurar  uma casa lá. 
 Maria Claudia: Eu tirei o pé do marketing e me dedico mais à área do  serviço e das pessoas (RH). Nessa nova fase, vou continuar no conselho  da TAM Linhas Aéreas e vou me dedicar aos comitês de produtos, pessoas e  integração da Latam. 
 Como vocês decidiram quem ia assumir cada cargo?
 Maria Claudia: Foi na minha casa, dentro do meu quarto. Eu perguntei  para o Mauricio: você quer ser presidente do conselho? Ele disse que  estava disposto. E é isso. Eu já sou presidente do conselho da TAM  Linhas Aéreas e preciso me dedicar à integração cultural. No meu caso,  não vou me mudar para o Chile.
 Na expansão da Latam, que marca vai ficar: TAM ou LAN?
 Maria Claudia: Acho prematuro responder. Temos de avaliar o que é  melhor para as duas lá na frente. Mauricio: Acho difícil abrir mão de  uma das marcas. O ideal seria a criação de uma terceira marca, mas isso  no médio e longo prazo.
 Como foram os bastidores dessa negociação?
 
 Mauricio: Começou com a viagem até Berlim. Depois, os Cueto vieram  para cá e jantamos na casa da minha mãe até de madrugada. Aí nos  encontramos em Buenos Aires. De todas as vezes que saímos para jantar,  eu devo ter fumado uns 100 charutos. Não aguento mais fumar charuto com o  Enrique Cueto (risos).
 Maria Claudia: E eu não aguento mais o charuto deles (risos). Em  Buenos Aires, em junho, já estávamos com a nossa equipe e a deles (de  assessores e advogados). E essa história foi engraçadíssima. Estava  acontecendo um encontro dos agentes do Amadeus (sistema de TI para a  venda de passagens usado pelas companhias aéreas) no mesmo hotel que o  nosso.
 Mauricio: Eles reconheceram o Enrique Cueto e a Maria Claudia. Tivemos de almoçar escondidos dentro de uma sala de reunião.
 Maria Claudia: Comemos sanduíche seco com batata frita murcha. 
 Mauricio: Aí, dez dias depois, fomos para Nova York. Desta vez, cada um ficou em um hotel diferente para preservar o sigilo.
 Havia um plano B caso o negócio não tivesse dado certo?
 Mauricio: Já tínhamos outras empresas no radar, algumas ideias do que  poderíamos fazer. Nesse setor e nesse continente, todos falam com  todos. Mas a fusão mais valiosa do continente era essa.
 E do ponto de vista do investimento da família, o que significou o negócio?
 Mauricio: Estamos satisfeitos com o negócio do ponto de vista  patrimonial. Vamos continuar no negócio no médio e longo prazo e vamos  olhar outras coisas. O futuro da empresa familiar é profissionalizar e  vender. Obviamente, não é tão simples. Mas acho inevitável a diluição do  capital.
Os negócios crescem. E nós vamos ter mais liberdade de buscar  outras coisas que nos deem prazer. Nossos filhos vão poder escolher o  que querem fazer - que não é, necessariamente, trabalhar em uma empresa  aérea. 
 Vocês pretendem continuar na empresa? 
Mauricio: No médio prazo, sim.
 Maria Claudia: Por enquanto, sim. É até complicado falar isso para  mim. Aprendi a andar de bicicleta na TAM. Dizer que fizemos o negócio  para colocar o pijama, isso não. 
 Vocês já têm outros negócios? 
 Maria Claudia: Eu começo a pensar, mas não sei ainda. 
 Mauricio: Eu e minha esposa temos uma distribuição de chocolate  orgânico e a gente pensa em expandir para outras áreas no food service.  Acho legal ter vida fora da aviação.
 Que legado vocês vão deixar para a TAM?
 Mauricio: Nosso pai levou a TAM à liderança no mercado doméstico. Nós  tivemos a competência e a sorte de aumentar o seu tamanho em quatro  vezes. O nosso grande legado foi ter chegado a esse porte e, agora, ter  criado a maior empresa da América Latina, com a LAN. 
 No setor aéreo, há muito mais histórias de fracasso que de sucesso.
 
 Mauricio: Nos 50 anos de Iata, as empresas-membro deram um retorno de 0,1%.
 Por que as pessoas ainda querem ter companhias aéreas?
    Maria Claudia: É essa paixão que as pessoas têm. Eu também me faço a mesma pergunta (risos). 
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