Pergunte aos irmãos Mauricio e Maria Claudia Amaro como eles se sentem após o fechamento do negócio entre a TAM, empresa que herdaram do pai, e a chilena LAN e uma sequência de frases grandiloquentes é despejada. "
Foi um privilégio fazer uma coisa que acontece poucas vezes na vida de poucas pessoas", diz Maurício. "Estamos falando de integrar a América do Sul", diz Maria Cláudia.
Uma semana após a criação da gigante Latam - um negócio que parte do mercado interpretou como venda e que a TAM chamou de "combinação" -, os dois concederam entrevista exclusiva ao Estado em seu escritório em São Paulo.
Recente anúncio de fusão TAM/LAN desperta interesse de empresas estrangeiras
Mauricio: Houve conversas sérias, que esbarraram em momentos de vida diferentes ou em diferentes expectativas de preço. Mas, nos últimos anos, acompanhamos um movimento de consolidação muito forte do setor e de liberalização do mercado brasileiro.
Esse é um negócio alavancado, as empresas precisam de muito caixa para sobreviver. Para a maioria das companhias do mundo, do ponto de vista financeiro, esse é um negócio que não merece existir.
São poucas as que remuneram o capital e a TAM, historicamente, é uma delas. Mas começa a ter problemas por causa da liberalização. Para se ter uma ideia, a Latam será ligeiramente inferior à US Airways, que é uma empresa média americana, está na quinta posição do ranking por número de passageiros. Mas nós vamos ficar pequenos para competir com as empresas estrangeiras que querem entrar no Brasil.
Mas qual foi o gatilho?
Mauricio: No início ano, estivemos em Berlim em um evento da Iata (International Air Transport Association) e nos encontramos com a LAN. O tema da conferência foi consolidação e foi anunciado que, até 2050, haverá apenas de dez a 12 grupos no mundo. Nós nos deparamos com a necessidade de resolver nossa vida. E aí fomos jantar com os Cueto para conversar.
E como vocês chegaram a essa estrutura societária complexa?
Mauricio: A primeira coisa foi fazer um acordo que respeitasse o equilíbrio de poder entre as famílias. Depois, os advogados chegaram a um modelo que respeitasse a lei.
Maria Claudia: Muito se falou do direito de veto aqui, mas também temos poder de veto lá. O compartilhamento de poder é equânime.
Se Amaro e Cueto não chegarem a um consenso para votar, o que pode acontecer?
Mauricio: Eu acredito que teremos de buscar o consenso de alguma maneira. O desempate forçado não é bom para ninguém. Mas, se tivermos de buscá-lo, está prevista uma mediação.
Quem seria esse mediador?
Mauricio: Prefiro não dar nomes porque estamos construindo nosso pacto de acionistas. Os Cueto virão para o Brasil em breve para discutirmos isso.
Mas seria um mediador, preferencialmente externo, para que a gente possa arbitrar a questão antes de levar ao conselho. A diferença entre a LAN e a TAM é que, apesar de a brasileira estar há seis anos na Bolsa e ter mais de 50% do seu capital no mercado, os sócios nunca se aglutinaram organizadamente para votar em nível de conselho.
Então a sensação é quase como se o controle absoluto fosse nosso. Na LAN, os fundos de pensão são fortes, têm voz ativa no conselho e na governança. Então os Cueto estão acostumados com uma dinâmica societária. Não prevemos a possibilidade real de ter um grande impasse, uma briga.
Esses fundos podem votar juntos e se sobrepor aos Cueto e Amaro?
Mauricio: Tradicionalmente, eles não votam juntos. Não acredito que os fundos se organizarão para ter um voto que se sobreponha ao das famílias, que terão 38% da Latam. Eles devem representar cerca de 20 a 30% do capital da LAN e serão diluídos com o tempo. O maior fundo da LAN tem 8% e cairá para 5%. Você teria de ter cinco ou seis fundos juntos para rivalizar.
Antes da LAN, vocês chegaram a negociar com a Gol?
Maria Claudia: Não é verdade. No Brasil de hoje eu não vejo nem espaço para que isso acontecesse. As melhores fusões são aquelas em que não há muita sobreposição. É o caso de LAN e TAM. A gente se complementa. Então imagina você fundir duas empresas que operam praticamente nos mesmos lugares? O Brasil fala tanto do duopólio, como é que nós íamos fazer um monopólio?
Mauricio: A economia de custo de uma fusão TAM e Gol seria a custo de milhares de empregos. Isso não é aprovado nos dias de hoje.
O presidente teria pedido uma empresa nacional...
Maria Claudia: O presidente, em momento nenhum, falou isso. Ele teve uma reação bastante positiva à notícia da Latam, que foi dada a ele após o fechamento do negócio.
Mas antes vocês devem ter sondado para ver se havia uma boa receptividade no governo. É difícil fazer um negócio desse tamanho sem ter um sinal, não?Maria Claudia: A gente pergunta um pouco. Não fala direito o que é...
A Gol está muito próxima da TAM em participação de mercado e as novas companhias estão ganhando espaço. O cenário mais concorrido no Brasil influenciou o negócio?
Maria Claudia: O mercado brasileiro é provavelmente o mais cobiçado do mundo por grandes empresas. Vamos ver coisas acontecendo aqui que farão com que grandes companhias tentem entrar nos próximos anos. Hoje é difícil? É, mas vai ficar ainda mais. Mas não é isso que faz você correr para um negócio desse.
Mauricio: Desde dezembro eu parei de pilotar comercialmente. Agora vou me dedicar muito à presidência do conselho da Latam, ao relacionamento político-institucional nos países hispânicos onde a empresa opera. Passarei uma parte do meu tempo no Chile. Vou procurar uma casa lá.
Maria Claudia: Eu tirei o pé do marketing e me dedico mais à área do serviço e das pessoas (RH). Nessa nova fase, vou continuar no conselho da TAM Linhas Aéreas e vou me dedicar aos comitês de produtos, pessoas e integração da Latam.
Como vocês decidiram quem ia assumir cada cargo?
Maria Claudia: Foi na minha casa, dentro do meu quarto. Eu perguntei para o Mauricio: você quer ser presidente do conselho? Ele disse que estava disposto. E é isso. Eu já sou presidente do conselho da TAM Linhas Aéreas e preciso me dedicar à integração cultural. No meu caso, não vou me mudar para o Chile.
Na expansão da Latam, que marca vai ficar: TAM ou LAN?
Maria Claudia: Acho prematuro responder. Temos de avaliar o que é melhor para as duas lá na frente. Mauricio: Acho difícil abrir mão de uma das marcas. O ideal seria a criação de uma terceira marca, mas isso no médio e longo prazo.
Mauricio: Começou com a viagem até Berlim. Depois, os Cueto vieram para cá e jantamos na casa da minha mãe até de madrugada. Aí nos encontramos em Buenos Aires. De todas as vezes que saímos para jantar, eu devo ter fumado uns 100 charutos. Não aguento mais fumar charuto com o Enrique Cueto (risos).
Maria Claudia: E eu não aguento mais o charuto deles (risos). Em Buenos Aires, em junho, já estávamos com a nossa equipe e a deles (de assessores e advogados). E essa história foi engraçadíssima. Estava acontecendo um encontro dos agentes do Amadeus (sistema de TI para a venda de passagens usado pelas companhias aéreas) no mesmo hotel que o nosso.
Mauricio: Eles reconheceram o Enrique Cueto e a Maria Claudia. Tivemos de almoçar escondidos dentro de uma sala de reunião.
Maria Claudia: Comemos sanduíche seco com batata frita murcha.
Mauricio: Aí, dez dias depois, fomos para Nova York. Desta vez, cada um ficou em um hotel diferente para preservar o sigilo.
Havia um plano B caso o negócio não tivesse dado certo?
Mauricio: Já tínhamos outras empresas no radar, algumas ideias do que poderíamos fazer. Nesse setor e nesse continente, todos falam com todos. Mas a fusão mais valiosa do continente era essa.
E do ponto de vista do investimento da família, o que significou o negócio?
Mauricio: Estamos satisfeitos com o negócio do ponto de vista patrimonial. Vamos continuar no negócio no médio e longo prazo e vamos olhar outras coisas. O futuro da empresa familiar é profissionalizar e vender. Obviamente, não é tão simples. Mas acho inevitável a diluição do capital.
Os negócios crescem. E nós vamos ter mais liberdade de buscar outras coisas que nos deem prazer. Nossos filhos vão poder escolher o que querem fazer - que não é, necessariamente, trabalhar em uma empresa aérea.
Mauricio: No médio prazo, sim.
Maria Claudia: Por enquanto, sim. É até complicado falar isso para mim. Aprendi a andar de bicicleta na TAM. Dizer que fizemos o negócio para colocar o pijama, isso não.
Vocês já têm outros negócios?
Maria Claudia: Eu começo a pensar, mas não sei ainda.
Mauricio: Eu e minha esposa temos uma distribuição de chocolate orgânico e a gente pensa em expandir para outras áreas no food service. Acho legal ter vida fora da aviação.
Que legado vocês vão deixar para a TAM?
Mauricio: Nosso pai levou a TAM à liderança no mercado doméstico. Nós tivemos a competência e a sorte de aumentar o seu tamanho em quatro vezes. O nosso grande legado foi ter chegado a esse porte e, agora, ter criado a maior empresa da América Latina, com a LAN.
Mauricio: Nos 50 anos de Iata, as empresas-membro deram um retorno de 0,1%.
Por que as pessoas ainda querem ter companhias aéreas?
Maria Claudia: É essa paixão que as pessoas têm. Eu também me faço a mesma pergunta (risos).
estadão
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