Três anos e sete meses depois de sobreviver a uma das maiores tragédias da história da aviação brasileira, Daniel Bachmann decidiu romper o silêncio. O ex-funcionário da Embraer estava no jato Legacy que se chocou sobre a floresta amazônica com um Boeing da Gol que ia de Manaus para Brasília. O acidente, ocorrido em 29 de setembro de 2006, deixou 154 mortos.
O avião era pilotado pelos americanos Joe Lepore e Jan Paul Paladino. Bachmann acompanhava os clientes e um repórter americano na entrega de mais um jato executivo da Embraer. Ele e os outros que viajavam na aeronave não viram quando o Boeing 737 que viajava na direção oposta se chocou contra a asa esquerda do Legacy 600. “Que diabos foi isso?”, disse um dos pilotos. A pergunta ficou arquivada nas gravações de voz de tudo o que se passou na cabine durante a viagem.
O ex-funcionário da Embraer disse que não imaginou naquele momento que o problema tivesse sido causado por uma colisão. Eles só pensavam em sobreviver. "Houve um som de alarme, o mapa tinha caído no chão. Foi quando olhamos pela janela e vimos um pedaço da asa faltando". Nos minutos seguintes, da cabine dos passageiros, Bachmann viu uma súbita troca de comando. Era a primeira vez que Joe Lepore pilotava um Legacy. "O co-piloto falou: ‘Então eu assumo’"Jan Paul Paladino preparava o pouso de emergência e todos se preparavam para morrer. "A asa estava abrindo, a chapa em cima estava levantando, os rebites saindo e combustível escorrendo em cima da asa", lembra o brasileiro. A descida improvisada na base aérea da Serra do Cachimbo era cambaleante e pouco depois do pouso chegou a notícia da tragédia.
  Mudança
 Bachmann se mudou de São José dos Campos, no interior de São Paulo,  onde fica a sede da Embraer, para a pequena Owasso, no estado de  Oklahoma, no interior dos Estados Unidos. Foi na nova casa da família  que Bachmann recebeu o Fantástico para uma entrevista exclusiva. Casado,  três filhos, ele queria recomeçar a vida.
 No Brasil, não se sentia à vontade pra dar entrevista. Lembrava do  acidente a cada instante, teve problemas cardíacos e temia acabar como  bode expiatório, principalmente depois que deputados disseram que ele  mentia pra defender os pilotos.
  “Eu não conheço detalhes específicos sobre os processos que cada piloto  faz. Quando eu cheguei, a aeronave estava ligada, pronta para partir e  eu estava entrando com os clientes”, disse. Apesar disso, Bachmann  avalia os problemas na comunicação da cabine do Legacy com a torre do  aeroporto de Brasília. “Talvez, ao longo da comunicação que eles  (pilotos) tiveram, quando receberam de Brasilia "manter", interpretaram  manter ordem que tinham recebido em São José de ir até Manaus a 37 mil”.
 “Manter”, segundo a interpretação dos pilotos, era manter a altitude de  37 mil pés no trecho entre Brasília e Manaus. Mas "manter", segundo o  controlador, era manter o plano de voo original e mudar de altitude, o  que tiraria o Legacy do caminho do Boeing. O ex-funcionário revela que  as falhas persistiram até o último minuto. "Houve uma falha de  comunicação também entre o controlador da torre na Serra do Cachimbo e o  piloto. Uma questão de inglês e de medida, o comprimento: 2600 pés ou  2600 metros de pista, então o piloto teve que assumir a menor das duas,  na dúvida", disse.
  Processos
 Os pilotos Joseph Lepore e Jan Paul Paladino foram acusados por uma  série de imperícias e negligências durante o procedimento de voo. Na  Justiça brasileira, chegaram a ser absolvidos em primeira instância e  recebidos como heróis nos Estados Unidos. Mas a Associação dos Parentes e  Amigos das vítimas conseguiu reverter a decisão no tribunal e ainda  pediu uma nova perícia das caixas pretas dos aviões. E o resultado levou  à abertura de um novo processo contra os pilotos americanos.
 Segundo o perito Roberto Petrarka, a caixa preta do Legacy revelou que  eles nunca chegaram a acionar um equipamento fundamental para voar,  conhecido como T-CAS. O T-CAS é um sistema anticolisão e a visão do  piloto. Em velocidades e altas velocidades, a visão do piloto não  consegue ver outro avião se aproximado. E o T-CAS faz isso em 360 graus,  de qualquer posição que venha o avião, que possa significar um risco de  colisão.
 Dentro da cabine, um dos pilotos chegou a perguntar se o T-CAS estava  desligado. “Desligado”, o outro confirmou. E a caixa preta do Legacy  registra desde a movimentação da aeronave em solo até momentos após a  colisão.
Em abril deste ano, as informações da nova perícia foram encaminhadas pra agência que controla a aviação civil americana, o FAA, com o pedido de que Lepore e Paladino tivessem seus brevês cassados. A resposta do órgão foi que não tomaria nenhuma providência com relação aos dois pilotos.
Em outubro de 2009, outros dois pilotos americanos tiveram suas licenças imediatamente suspensas pelo mesmo órgão, porque passaram o ponto de pouso e seguiram por outros 230 quilômetros por completa distração.
  “As 154 pessoas que morreram não são ninguém?”, pergunta Roseane,  parente de uma das vítimas. O marido de Rosane estava no Boeing da Gol. A  filha do casal, hoje com 7 anos, ainda guarda o perfume e as pantufas  dele no corredor. “Essa ferida só vai fechar quando os responsáveis por  essas mortes paguem na forma da lei por esse crime que eles cometeram”.
 Apenas 23 das 154 famílias das vítimas ainda não chegaram a um acordo  sobre a indenização pela tragédia. Se condenados, a pena para Jan Paul  Paladino e Joe Lepore é de um a três anos de detenção.
 
 
 
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