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Foi grande o alvoroço provocado pelo avião na  pequena e pacata cidade de Camocim no dia 13 de junho de 1931. O avião,  inventado no ano de 1903 pelos irmãos Wright, como querem os americanos,  ou em 1906, quando Santos Dumont voou com o 14 Bis, em Paris, ainda era  uma "coisa do outro mundo". Conta-se que, nos anos 50, na Serra da  Ibiapaba, uma mulher perdeu o marido porque, ao ouvir o som de um avião,  pensou que o mundo estava se acabando e resolveu contar-lhe que o tinha  traído.
As companhias aéreas não existiam como hoje e os  inventores ainda estavam com a mão na massa tentando colocar no ar  aparelhos que transportassem pessoas mais rápido do que os navios e  trens.   
O hidroavião é equipado para utilizar uma superfície  aquática como pista de pouso e decolagem. Na verdade, o transporte dessa  modalidade nada mais é do que um barco voador.   
O primeiro deles  foi projetado pelo francês Alphonse Penaut (1876), mas nunca foi  construído. Outro francês, Henri Fabre, realizou o primeiro voo de  hidroavião em Martigues, França (1910), mas foi o projetista de aviões  norte-americano Glenn Curtiss que pilotou o primeiro hidroavião prático  em San Diego (EUA), e transportou o primeiro passageiro, ambos os feitos  realizados em 1911. Nas décadas de 20 e 30, muitos países estavam  construindo hidroaviões para uso civil e militar. Na segunda metade dos  anos 30 começou a era dos hidroaviões gigantes, iniciada pelo Dornier.    
Transporte seguro   
O professor alemão  Claude Dornier, em 1929, engrossou a lista dos que queriam colocar no ar  um transporte seguro e rápido. Foi no estaleiro do Lago Constance que  ele conseguiu concluir seu invento, batizado de Dornier DO-X. Um gigante  hidroavião para o transporte civil. Podia levar 72 passageiros e 20  tripulantes.   
O primeiro voo-teste, no dia 12 de julho de 1929,  foi sobre o Lago Constance. Depois de outros testes, fez seu primeiro  voo com 169 pessoas a bordo no dia 21 de outubro de 1929. Tudo testado e  aprovado, o professor Claude parte para sua ousada viagem de longa  distância. Levanta voo no dia 5 de novembro de 1930 num cruzeiro  mundial.   
A rota começou pela Europa, mais exatamente no Rio Reno.  Foi a Amsterdã e de lá voou para Calshot, na Inglaterra, Bordeaux, na  França, La Coruna, Espanha, e Lisboa, em Portugal, onde um acidente  interrompeu a viagem. Pegou fogo na asa esquerda, o que atrasou a viagem  em mais de um mês. Decolou no dia 31 de janeiro para Las Palmas, na  Ilhas Canárias, onde enfrentou mais problemas. Bateu num banco de areia e  o avião ficou parado por mais três meses. Depois de voar pela costa  africana atravessou o Oceano Atlântico. O tanque de 16 mil litros de  combustível praticamente vazio fez com que esse navio-voador descesse em  Camocim, na manhã daquele dia 13 de junho de 1931.   
A população  de Camocim, mesma acostumada a ver a amerissagens (pouso na água) como a  que o aviador Pinto Martins fez em 19 de novembro de 1922, tomou um  susto quando viu o DO-X. O aviador Euclides Pinto Martins fez o primeiro  voo dos Estados Unidos para o Brasil, saindo da Flórida. Nem esse feito  do filho do Município de Camocim provocou tanta comoção na cidade.  Pinto Martins pilotava o hidroavião biplano, de 28 metros de envergadura  e dois motores "Liberty" de 400hp, cada. Acompanhados por um jornalista  e um cinegrafista, decolaram uma máquina de oito mil quilos, criado na  pioneira Fábrica Curtiss. Já o DO-X parecia um navio-voador movido por  12 motores. O DO-X mais parecia uma nave espacial, uma coisa do outro  mundo.   
Orlando é um homem culto. Ler é seu passatempo preferido. A  memória invejável faz a diferença. Os amigos o chamam de Google. Tem na  ponta da língua resposta para qualquer pergunta sobre política,  história, geografia ou conhecimento geral. Atualmente, o paulista mora  em Brasília, onde dirige uma ONG que cuida do meio ambiente da Amazônia,  mas já exerceu outras profissões. Militar da reserva do Exército,  lembra que o hidroavião ficou em frente à Estação Ferroviária da cidade.    
Pioneiro    
1911 foi o ano do voo de um  hidroavião que transportou o primeiro passageiro em San Diego (EUA),  pilotado pelo projetista norte-americano de aviões, Glenn Curtiss   
HISTÓRIA  ORAL    
Barcos no Rio Coreaú levavam moradores para a novidade      
Brasília. Nos anos 30 e 40 do século passado, segundo  relato de um antigo comerciante de Camocim, Ildemburgue Aguiar, na época  criança com 9 anos, era grande o movimento de hidroaviões pousando nas  águas do Rio Coreaú. Os aparelhos vindo dos EUA entravam no Brasil,  passando por Belém, Camocim, Recife, Salvador e Rio de Janeiro. Pessoas  de Fortaleza pegavam o trem que passava em Sobral e chegavam a Camocim  para embarcar para aqueles destinos.   
Até hoje a história é  lembrada pelos mais antigos e já foi alvo de matérias como a que foi  publicada pelo jornal "O Literário", de Camocim. No texto, o jornal fala  de um tal Ildemburgue, que na época tinha 9 anos de idade. Orlando  conheceu muito Ildemburgue Aguiar. Nas visitas que fez a Camocim  estabeleceu amizade com o comerciante, cuja loja, por coincidência,  ficava em frente à Estação Ferroviária. "Era uma figura muito simpática  de porte caucasiano e que por várias vezes comentou sobre o DO-X",  comenta Orlando.   
Ildemburgue lhe contou que foi levado num barco,  junto com outras crianças, para ver de perto o gigante. Os barqueiros  cobravam uma pequena quantia para levar os curiosos para perto o avião.    
Artur Queiroz, outro camocinense que viu o avião, conta ao jornal  "O Literário", que o DO-X ficou parado ali de manhã até à tarde sem que  ninguém desembarcasse. O avião tinha no seu interior sala de estar,  bar, restaurante e cabine com cama. Se tinha passageiro a bordo nenhum  se arriscou enfrentar o calor na pequena cidade sem uma atração que  merecesse um passeio turístico, embora já fosse importante interposto  comercial com ferrovia e porto. A demora foi suficiente para que os  barcos de apoio carregassem combustível em latas de 20 litros que foram  abastecendo o tanque da belonave que, segundo jornal, queimava 400  galões por hora. A inesperada visita virou notícia que correu mundo a  fora. Em Fortaleza, muita gente se preparou para ir ver de perto o avião  quando ele chegasse à Capital. As pessoas ficavam olhando para céu na  expectativa de vê-lo passar com toda sua imponência.   
No início da  tarde daquele 13 de junho, o DO-X levantou voo em direção a Natal e de  lá para o Rio de Janeiro, frustrando os que esperavam por sua passagem  na Capital cearense. No Rio, ele foi fotografado sobrevoando a enseada  de Botafogo. Do Brasil, seguiu para Nova Iorque, onde teve que ficar  alguns meses por causa do inverno. O DO-X retornou a Berlim muito  danificado. Com muitos problemas técnicos e sem êxito comercial, o  projeto foi arquivado. O avião foi levado para o Museu de Berlim, onde  foi destruído num incêndio provocado por bombardeios na Segunda Guerra  Mundial. Em 1945, o DO-X desapareceu sem nunca ter entrado em serviço  regular.
Wilson Ibiapina      
Especial  para o Caderno Regional do Jornal Diário do Nordeste
Fonte: DN
 
 
 
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